A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Hoje assinalam-se 500 anos da conclusão do Paço Real da Ribeira de Muge


Sejam certos os que esta carta virem como é verdade que Diogo Rodrigues almoxarife dos Paços da Ribeira de Muja recebeu de Rui Leite tesoureiro da casa del rei nosso senhor seis sacos d’irlanda …/… e assim três alcatifas de Castela, a saber: uma delas de vinte e cinco palmos que foi avaliada em três mil e seiscentos réis e outra de vinte palmos que foi avaliada em dois mil e oitocentos réis e outra de doze palmos que foi avaliada em mil e quinhentos réis as quais alcatifas são de Castela as quais coisas lhe foram entregues por Duarte Fernandes reposteiro do dito senhor e por que é verdade que do dito Rui leite recebeu as coisas sobre ditas lhe mandou fosse feita neste almoxarifado por mim Antão Fernandes escrivão que os sobre ele dito Diogo Rodrigues carreguei em receita. Feita em Almeirim aos 25 dias de Novembro de 1514. Diogo Rodrigues. Antão Fernandes

Não tendo nós conhecimento da data de inauguração do Paço Real da Ribeira de Muge (se é que houve uma inauguração oficial), podemos fixar como o dia de hoje de há 500 anos atrás o dia da conclusão deste paço. Porque é neste dia que temos conhecimento que foram entregues umas alcatifas, a que se refere o documento transcrito acima, e é este o último registo que encontramos relativo à construção/ edificação do paço. Nesta altura, estando já a receber recheio, podemos inferir que já estariam as obras concluídas e o espaço pronto a habitar. 


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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Sessão evocativa


Sem dinheiros mas com muito trabalho e estudo se vai revelando e construindo a História de uma localidade: Paço dos Negros.




sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Academia Itinerarium XIV distinguida

A Academia Itinerarium XIV recebeu ontem, no âmbito das Jornadas Ecologistas Distritais d’ “Os Verdes” um “Girassol Alegre”, como reconhecimento pelo seu trabalho em prol da valorização do Paço Real da Ribeira de Muge.

Apesar de este não ser o único objeto de atenção da Academia, temos ao longo dos tempos promovido várias iniciativas neste espaço. Nenhum outro para nós se iguala, não tanto pelas questões estéticas, mas mais pelo alicerce identitário que nós, que somos antes de tudo gentes da Ribeira de Muge, aqui temos. Nada mais nos alegra que ver vir pessoas de Paço dos Negros ou de fora, para as nossas iniciativas e sentirem-se bem na nossa companhia neste espaço.

Assim, a Academia Itinerarium XIV agradece a distinção dada pel’ “Os Verdes”, prometendo tudo fazer para continuar a valorizar este espaço, e sobretudo para continuar, dentro das suas limitadas possibilidades, a elevar o nome, a história e a cultura das gentes da Ribeira de Muge. 




quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Diogo Vieira e Maria Nunes, um casal de moleiros?

Tendo por base o “Livro dos defuntos, dos baptizados e dos casados” da Freguesia de Santo António da Raposa, no período que medeia 1706-1741, ou seja, a quase totalidade da primeira metade do séc. XVIII, encontramos referência a uma série de indivíduos que aqui viviam, e que cuja constante repetição nos registos, sobretudo como “padrinhos” ou “testemunhas”. Hoje iremos deter-nos num casal: Diogo Vieira e Maria Nunes.  
Esquema genealógico de Diogo Vieira, construído através da tecnologia "My Heritage", com base nos assentos paroquiais. 

Diogo Vieira e Maria Nunes foram pais de seis crianças. De algumas temos o registo de óbito, doutros o de nascimento. Apenas de uma das filhas, Mariana (a segunda que teve com este nome), temos o assento de batismo e óbito. De destacar também o seu filho Martinho, que apesar de termos apenas o assento de óbito, (de 25 de novembro de 1736), neste vem mencionado que morreu com cerca de dois anos, pelo que poderemos deduzir que terá nascido em 1734. Dos seus filhos, apenas Maria, nascida em 1717, não temos assento de óbito. Terá chegado à idade adulta? Diogo Vieira irá morrer em a 8 de novembro de 1738, no Moinho da Raposa. Maria Nunes, voltará a casar, alguns meses depois, com Jorge Coelho, natural de Malaqueijo (atualmente pertencente ao concelho de Rio Maior). 

Para além destes assentos, que nos permitem reconstituir um pouco a vida familiar deste casal, existem vários outros, que nos permitem reconstituir um pouco da sua influência social. Com efeito, Diogo Vieira é testemunha em 10 casamentos (no total de 79 que abarca o período do livro em questão). O casal é padrinho de oito crianças e Maria Nunes é madrinha, sem o marido, de mais três crianças.

Em relação aos casamentos, poderá justificar-se um tão grande “apadrinhamento” de Diogo Vieira pelo facto de saber assinar, e possivelmente ser das poucas pessoas que o sabia fazer na altura? Seria obrigatório que as testemunhas de casamento soubessem assinar? Quanto aos batismos, mais do que analisar de quem foi padrinho (e não o foi de dois irmãos – todos os seus afilhados têm origens diversas), poderemos ver a sua importância por quem foi padrinho dos seus filhos. Com efeito, da sua filha Mariana, batizada em 1720 foram padrinhos o próprio Pároco, o padre Pedro de Barros, juntamente com Leonarda Maria, de quem falamos aqui. Aliás, Leonarda Maria já houvera sido madrinha em 1717 da sua filha Maria. As relações entre o casal Diogo Vieira e Maria Nunes e a família de Leonarda Maria não eram unidirecionais, uma vez que Maria Nunes foi madrinha em 1714 de Manuel, filho de Leonarda Maria, e Diogo Vieira será testemunha de casamento de um outro filho de Leonarda, José Marques. Qual o vínculo entre estas duas famílias? Diogo Vieira e Maria Nunes foram moradores no Moinho da Ponte Velha entre 1713 e 1720 pelo menos. Moinho este que pertencia a Leonarda Maria. Cremos poder afirmar que a relação ia além do “patrões-empregados”, mas até onde, não o sabemos.

Cabe ainda referência a um outro assento de óbito digno de nota. Trata-se do filho de Gesuína de Jesus, uma mãe solteira, que vivia em casa de Diogo Vieira, segundo o que diz o assento. Seria uma criada ou uma familiar?
Moinho da Ponte Velha, em 2010.

Quanto aos locais em que viveram Diogo Vieira e Maria Nunes, em 29 assentos, doze mencionam o local onde viviam. Se entre 1713-1720 viveram no Moinho da Ponte Velha (ainda que exista um registo que alude simplesmente à Ponte Velha), de 1721 até à morte de Diogo Vieira (1738), viveram no Moinho da Raposa, ainda que surja em dois assentos (1727, 1728) simplesmente Raposa. Já no assento do segundo casamento de Maria Nunes, menciona que o casal houvera vivido no Moinho da Várzea Redonda (que curiosamente também era propriedade de Leonarda Maria).

Os erros dos párocos nestes assentos são frequentes. À distância de 300 anos, conseguimos encontrar alguns, pelo que muitos mais haverá. Será a ausência da designação de “moinho” um simples esquecimento do padre? E seria a referência ao Moinho da Várzea Redonda uma confusão com o Moinho da Ponte Velha, onde Diogo Vieira efetivamente viveu, por serem do mesmo proprietário?

Contudo, o facto principal e que mais salta à vista é o facto de Diogo Vieira e Maria Nunes terem vivido em moinhos. Seriam um casal de moleiros? Este é um facto que não nos deixa de intrigar, na medida em que a vida num moinho não seria confortável, visto que será sempre um sítio húmido, com muita poeira e barulhento. Pouco confortável e pouco salubre. Talvez apenas a profissionalização/especialização no ofício (que tinha regimentos vindos do século XVII) possa justificar esta residência sempre em moinhos.  

Fonte:
(1706-1741). Livro dos defuntos, dos baptizados e dos casados – Raposa (Sto. António). 

domingo, 19 de outubro de 2014

Os escravos na Ribeira de Muge no séc. XVIII

Já por várias vezes abordamos esta temática, nomeadamente aqui. Contudo, ao debruçar-nos sobre os registos paroquiais entre 1706 e 1741 da Paróquia de Santo António da Raposa, urge perceber mais a fundo esta questão no início do séc. XVIII. Encontramos duas autoras que cruzam a  temática dos registos paroquias com a escravatura.

Apesar de se reportar no seu trabalho ao século anterior (XVII), Mesquita (2005) alude às Ordenações Manuelinas, que tornaram obrigatório o batismo dos escravos pelos seus senhores, sob pena de os perderem para quem os acusasse. A salvação da alma dos escravos, segundo a autora, era obrigação dos senhores para com os seus cativos. Os prazos variavam conforme a idade dos escravos, indo de um mês (se o servo tivesse dez ou menos anos) a seis meses (se tivesse mais que dez anos). Aos escravos nascidos em casa do senhor, aplicava-se o mesmo que se aplicava às restantes crianças (primeiros oito dias após o nascimento).

Quanto aos assentos em si, segundo Mesquita (2005) e Godinho (2007), mencionavam para além do vinha estipulado ser assentado, a condição de escravos dos pais, a cor da pele, a naturalidade do escravo e o nome do senhor a quem pertenciam. Contudo, era comum a existência de filhos de uma escrava e de um homem livre, por exemplo. Da mesma forma, aparecem casamentos entre livres e escravos. Sobre o casamento, cabe a nota que a Igreja defendia que os escravos, quando viviam amancebados, deveriam os seus senhores deixá-los casar. Todavia, esta norma não era muito tida em consideração, pelo que o número de filhos ilegítimos entre escravos era bastante grande.

Era comum serem libertos os escravos em testamento pelos seus senhores (sendo-lhe dada “alforria”), ou até ainda em vida destes. Contudo, acompanhava-os sempre nos registos a designação de “escravo forro de [nome do senhor]”. Era igualmente comum, sobretudo nas situações em que se estreitava a relação entre servo e senhor, a utilização dos apelidos deste último pelo primeiro.  

Sabemos que a escravatura só irá ser abolida no reinado de D. José (1750-1777), pelo que não será de estranhar a existência de escravos na Paróquia de Santo António da Raposa. Contudo, no primeiro livro de assentos desta paróquia, que media, como referimos, o período de 1706-1741 (quase quarenta anos), apenas encontramos um registo relativo a um escravo, que passamos a transcrever:

Aos dezasseis dias do mês de Dezembro de mil setecentos e dezanove faleceu desta vida presente Pedro Tinoco escravo de Leonarda Maria moradora na Vargea Redonda, e morreu se[m] sacramentos por ser morte súbita; esta enterrado ao pé do caminho na cepultura que [xxxxxxxx] sobre dita de que fiz este assento era supra.

Assento do óbito de Pedro Tinoco, única referência a um escravos nos registos paroquiais de Santo António da Raposa entre 1706 e 1741.

À semelhança do que acontece com a maioria dos assentos, também o deste escravo tem menos dados do que os de outras paróquias. Com efeito, não sabemos a sua cor da pele (seria negro, mulato?) nem a sua naturalidade (teria vindo de qualquer colónia africana, ou já teria nascido na Ribeira de Muge ou em qualquer outro ponto do país?)

Contudo, não deixa de ser estranho que este seja o único registo relativo a um escravo. Sabemos que os escravos aqui estiverem presentes desde o século XVI, com a construção do Paço Real da Ribeira de Muge, e parece-nos de todo razoável que aqui vivessem escravos ainda, ou os descendestes destes. Posto isto, poderemos justificar esta ausência de duas formas:

1. Tendo paço uma capela, teria esta um livro de assentos próprio, sendo neste registado os assentos relativos aos escravos? (ou o Convento da Serra, que detinha a responsabilidade de ali efetuar as cerimónias litúrgicas). Desta forma, os registos que caíam no livro da paroquial da Raposa relativos ao “Passos Negros” seriam os batismos e sepultamentos realizados pelo padre da paróquia na igreja paroquial?

2. Conforme aventa Evangelista (2011), seria possível que os escravos ainda no séc. XVI começassem a adquirir direito de alforria por casamento com brancos? Desta forma, no séc. XVIII já não existiriam “forros” nem pretos, mas apenas mulatos, mais claros de geração para geração, pelo que não justificaria esta referência no assento.

Não sabemos se é alguma destas razões que está na base da ausência da menção de escravos nos assentos da Paróquia de Santo António da Raposa. Contudo, cremos ter levantando questões pertinentes. 


Bibliografia
EVANGELISTA, Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana. S/l: Edição do autor.
GODINHO, Anabela da Silva de Deus (2007). Lisboa Pré-Pombalina: A Freguesia da Sé – Demografia e Sociedade (1563-1755). Tese de Doutoramento apresentada ao ISCTE.

MESQUITA, Maria Hermínia Morais (2005). “Escravos em Angra no século XVII: uma abordagem a partir dos registos paroquiais”, in Arquipélago – História, 2.ª Série, IX. S/l: Ed. Universidade dos Açores.