A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
sexta-feira, 31 de outubro de 2014
Academia Itinerarium XIV distinguida
A
Academia Itinerarium XIV recebeu ontem, no âmbito das Jornadas Ecologistas
Distritais d’ “Os Verdes” um “Girassol Alegre”, como reconhecimento pelo seu
trabalho em prol da valorização do Paço Real da Ribeira de Muge.
Apesar
de este não ser o único objeto de atenção da Academia, temos ao longo dos
tempos promovido várias iniciativas neste espaço. Nenhum outro para nós se
iguala, não tanto pelas questões estéticas, mas mais pelo alicerce identitário
que nós, que somos antes de tudo gentes da Ribeira de Muge, aqui temos. Nada
mais nos alegra que ver vir pessoas de Paço dos Negros ou de fora, para as
nossas iniciativas e sentirem-se bem na nossa companhia neste espaço.
Assim,
a Academia Itinerarium XIV agradece a distinção dada pel’ “Os Verdes”, prometendo
tudo fazer para continuar a valorizar este espaço, e sobretudo para continuar,
dentro das suas limitadas possibilidades, a elevar o nome, a história e a
cultura das gentes da Ribeira de Muge.
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
Diogo Vieira e Maria Nunes, um casal de moleiros?
Tendo por base o “Livro
dos defuntos, dos baptizados e dos casados” da Freguesia de Santo António da
Raposa, no período que medeia 1706-1741, ou seja, a quase totalidade da
primeira metade do séc. XVIII, encontramos referência a uma série de indivíduos
que aqui viviam, e que cuja constante repetição nos registos, sobretudo como
“padrinhos” ou “testemunhas”. Hoje iremos deter-nos num casal: Diogo Vieira e
Maria Nunes.
Esquema genealógico de Diogo Vieira, construído através da tecnologia "My Heritage", com base nos assentos paroquiais.
Diogo Vieira e Maria
Nunes foram pais de seis crianças. De algumas temos o registo de óbito, doutros
o de nascimento. Apenas de uma das filhas, Mariana (a segunda que teve com este
nome), temos o assento de batismo e óbito. De destacar também o seu filho
Martinho, que apesar de termos apenas o assento de óbito, (de 25 de novembro de
1736), neste vem mencionado que morreu com cerca de dois anos, pelo que
poderemos deduzir que terá nascido em 1734. Dos seus filhos, apenas Maria,
nascida em 1717, não temos assento de óbito. Terá chegado à idade adulta? Diogo
Vieira irá morrer em a 8 de novembro de 1738, no Moinho da Raposa. Maria Nunes,
voltará a casar, alguns meses depois, com Jorge Coelho, natural de Malaqueijo
(atualmente pertencente ao concelho de Rio Maior).
Para além destes
assentos, que nos permitem reconstituir um pouco a vida familiar deste casal,
existem vários outros, que nos permitem reconstituir um pouco da sua influência
social. Com efeito, Diogo Vieira é testemunha em 10 casamentos (no total de 79
que abarca o período do livro em questão). O casal é padrinho de oito crianças
e Maria Nunes é madrinha, sem o marido, de mais três crianças.
Em relação aos
casamentos, poderá justificar-se um tão grande “apadrinhamento” de Diogo Vieira
pelo facto de saber assinar, e possivelmente ser das poucas pessoas que o sabia
fazer na altura? Seria obrigatório que as testemunhas de casamento soubessem
assinar? Quanto aos batismos, mais do que analisar de quem foi padrinho (e não
o foi de dois irmãos – todos os seus afilhados têm origens diversas), poderemos
ver a sua importância por quem foi padrinho dos seus filhos. Com efeito, da sua
filha Mariana, batizada em 1720 foram padrinhos o próprio Pároco, o padre Pedro
de Barros, juntamente com Leonarda Maria, de quem falamos aqui. Aliás,
Leonarda Maria já houvera sido madrinha em 1717 da sua filha Maria. As relações
entre o casal Diogo Vieira e Maria Nunes e a família de Leonarda Maria não eram
unidirecionais, uma vez que Maria Nunes foi madrinha em 1714 de Manuel, filho
de Leonarda Maria, e Diogo Vieira será testemunha de casamento de um outro
filho de Leonarda, José Marques. Qual o vínculo entre estas duas famílias? Diogo
Vieira e Maria Nunes foram moradores no Moinho da Ponte Velha entre 1713 e 1720
pelo menos. Moinho este que pertencia a Leonarda Maria. Cremos poder afirmar
que a relação ia além do “patrões-empregados”, mas até onde, não o sabemos.
Cabe ainda referência a
um outro assento de óbito digno de nota. Trata-se do filho de Gesuína de Jesus,
uma mãe solteira, que vivia em casa de Diogo Vieira, segundo o que diz o
assento. Seria uma criada ou uma familiar?
Moinho da Ponte Velha, em 2010.
Quanto aos locais em
que viveram Diogo Vieira e Maria Nunes, em 29 assentos, doze mencionam o local
onde viviam. Se entre 1713-1720 viveram no Moinho da Ponte Velha (ainda que
exista um registo que alude simplesmente à Ponte Velha), de 1721 até à morte de
Diogo Vieira (1738), viveram no Moinho da Raposa, ainda que surja em dois
assentos (1727, 1728) simplesmente Raposa. Já no assento do segundo casamento
de Maria Nunes, menciona que o casal houvera vivido no Moinho da Várzea Redonda
(que curiosamente também era propriedade de Leonarda Maria).
Os erros dos párocos
nestes assentos são frequentes. À distância de 300 anos, conseguimos encontrar
alguns, pelo que muitos mais haverá. Será a ausência da designação de “moinho”
um simples esquecimento do padre? E seria a referência ao Moinho da Várzea
Redonda uma confusão com o Moinho da Ponte Velha, onde Diogo Vieira
efetivamente viveu, por serem do mesmo proprietário?
Contudo, o facto
principal e que mais salta à vista é o facto de Diogo Vieira e Maria Nunes
terem vivido em moinhos. Seriam um casal de moleiros? Este é um facto que não
nos deixa de intrigar, na medida em que a vida num moinho não seria
confortável, visto que será sempre um sítio húmido, com muita poeira e
barulhento. Pouco confortável e pouco salubre. Talvez apenas a profissionalização/especialização
no ofício (que tinha regimentos vindos do século XVII) possa justificar esta
residência sempre em moinhos.
Fonte:
(1706-1741).
Livro dos defuntos, dos baptizados e dos
casados – Raposa (Sto. António).
domingo, 19 de outubro de 2014
Os escravos na Ribeira de Muge no séc. XVIII
Já por várias vezes abordamos esta
temática, nomeadamente aqui.
Contudo, ao debruçar-nos sobre os registos paroquiais entre 1706 e 1741 da
Paróquia de Santo António da Raposa, urge perceber mais a fundo esta questão no
início do séc. XVIII. Encontramos duas autoras que cruzam a temática dos registos paroquias com a
escravatura.
Apesar de se reportar no seu trabalho ao
século anterior (XVII), Mesquita (2005) alude às Ordenações Manuelinas, que tornaram
obrigatório o batismo dos escravos pelos seus senhores, sob pena de os perderem
para quem os acusasse. A salvação da alma dos escravos, segundo a autora, era
obrigação dos senhores para com os seus cativos. Os prazos variavam conforme a
idade dos escravos, indo de um mês (se o servo tivesse dez ou menos anos) a seis
meses (se tivesse mais que dez anos). Aos escravos nascidos em casa do senhor,
aplicava-se o mesmo que se aplicava às restantes crianças (primeiros oito dias
após o nascimento).
Quanto aos assentos em si, segundo
Mesquita (2005) e Godinho (2007), mencionavam para além do vinha estipulado ser
assentado, a condição de escravos dos pais, a cor da pele, a naturalidade do
escravo e o nome do senhor a quem pertenciam. Contudo, era comum a existência
de filhos de uma escrava e de um homem livre, por exemplo. Da mesma forma,
aparecem casamentos entre livres e escravos. Sobre o casamento, cabe a nota que
a Igreja defendia que os escravos, quando viviam amancebados, deveriam os seus
senhores deixá-los casar. Todavia, esta norma não era muito tida em
consideração, pelo que o número de filhos ilegítimos entre escravos era
bastante grande.
Era comum serem libertos os escravos em
testamento pelos seus senhores (sendo-lhe dada “alforria”), ou até ainda em
vida destes. Contudo, acompanhava-os sempre nos registos a designação de
“escravo forro de [nome do senhor]”. Era igualmente comum, sobretudo nas
situações em que se estreitava a relação entre servo e senhor, a utilização dos
apelidos deste último pelo primeiro.
Sabemos que a escravatura só irá ser
abolida no reinado de D. José (1750-1777), pelo que não será de estranhar a
existência de escravos na Paróquia de Santo António da Raposa. Contudo, no
primeiro livro de assentos desta paróquia, que media, como referimos, o período
de 1706-1741 (quase quarenta anos), apenas encontramos um registo relativo a um escravo, que passamos
a transcrever:
Aos
dezasseis dias do mês de Dezembro de mil setecentos e dezanove faleceu desta
vida presente Pedro Tinoco escravo de Leonarda Maria moradora na Vargea
Redonda, e morreu se[m] sacramentos por ser morte súbita; esta enterrado ao pé
do caminho na cepultura que [xxxxxxxx] sobre dita de que fiz este assento era
supra.
Assento do óbito de Pedro Tinoco, única referência a um escravos nos registos paroquiais de Santo António da Raposa entre 1706 e 1741.
À semelhança do que acontece com a
maioria dos assentos, também o deste escravo tem menos dados do que os de
outras paróquias. Com efeito, não sabemos a sua cor da pele (seria negro,
mulato?) nem a sua naturalidade (teria vindo de qualquer colónia africana, ou
já teria nascido na Ribeira de Muge ou em qualquer outro ponto do país?)
Contudo, não deixa de ser estranho que este
seja o único registo relativo a um escravo. Sabemos que os escravos aqui
estiverem presentes desde o século XVI, com a construção do Paço Real da
Ribeira de Muge, e parece-nos de todo razoável que aqui vivessem escravos
ainda, ou os descendestes destes. Posto isto, poderemos justificar esta
ausência de duas formas:
1. Tendo paço uma capela, teria esta um
livro de assentos próprio, sendo neste registado os assentos relativos aos
escravos? (ou o Convento da Serra, que detinha a responsabilidade de ali
efetuar as cerimónias litúrgicas). Desta forma, os registos que caíam no livro
da paroquial da Raposa relativos ao “Passos Negros” seriam os batismos e
sepultamentos realizados pelo padre da paróquia na igreja paroquial?
2. Conforme aventa Evangelista (2011),
seria possível que os escravos ainda no séc. XVI começassem a adquirir direito
de alforria por casamento com brancos? Desta forma, no séc. XVIII já não
existiriam “forros” nem pretos, mas apenas mulatos, mais claros de geração para
geração, pelo que não justificaria esta referência no assento.
Não sabemos se é alguma destas razões que
está na base da ausência da menção de escravos nos assentos da Paróquia de
Santo António da Raposa. Contudo, cremos ter levantando questões pertinentes.
Bibliografia
EVANGELISTA,
Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana.
S/l: Edição do autor.
GODINHO,
Anabela da Silva de Deus (2007). Lisboa Pré-Pombalina: A Freguesia da Sé –
Demografia e Sociedade (1563-1755). Tese de Doutoramento apresentada ao
ISCTE.
MESQUITA,
Maria Hermínia Morais (2005).
“Escravos em Angra no século XVII: uma abordagem a partir dos registos
paroquiais”, in Arquipélago – História,
2.ª Série, IX. S/l: Ed. Universidade dos Açores.
sábado, 18 de outubro de 2014
Os Azulejos do Paço Real da Ribeira de Muge – nos 500 anos da sua conclusão
O azulejo é um elemento que nos chega por herança árabe. Surge na segunda metade do séc. XV dois tipos de azulejos, que foram designados por “mudéjares” ou “hispano-mouriscos”, devido à sua origem no Reino de Granada, último reduto árabe na Península Ibérica. Foram produzidos em várias cidades andaluzes, com especial destaque para Sevilha e Málaga. O primeiro tipo designa-se por azulejo de corda seca, em que “os desenhos eram limitados por sulcos preenchidos com uma mistura de óleo de linhaça e manganês que, após a cozedura, funcionavam como uma barreira que impedia a separação das cores” (Santos, 2009: 19). Já nos azulejos de arestas “o isolamento das cores era obtido por arestas salientes, moldadas no próprio barro antes da cozedura” (idem). As primeiras aplicações em Portugal foram feitas no início do séc. XVI, com azulejos hispano-mouriscos importados de Sevilha. A este facto não terá sido estranha a visita de D. Manuel I à Alhambra, em Granada, onde terá contactado com este tipo de revestimento.
Azulejo do tipo "Corda Seca" originário do Paço Real da Ribeira de Muge.
Em exposição no Museu Municipal de Almeirim.
Azulejo do tipo "Aresta" originário do Paço Real da Ribeira de Muge.
Em exposição no Museu Municipal de Almeirim.
Sendo construído no início do séc. XVI, foi com toda a certeza profusamente decorado o Paço Real da Ribeira de Muge com estes azulejos. Contudo, não chegaram aos nossos dias. Com efeito, quando Vasconcellos (1926), visita este local relata que já existiam poucos, existindo ainda um banco revestido deles. Levou alguns para o Museu do Carmo, oferta de Manuel Francisco Fidalgo, à época proprietário do paço. Evangelista (2011), alude à possibilidade dos azulejos que se encontram na exposição do Museu Arqueológico do Carmo, identificados com “proveniência desconhecida”, serem originários daqui.
O dito banco que Frazão de Vasconcellos menciona ainda hoje existe, e é o das fotos acima. Está revestido na sua grande maioria por azulejos com um padrão verde, azul e amarelo. Tem outros azulejos que cremos terem-lhe sido adicionados posteriormente. Para além destes, existem ainda mais alguns, muito fragmentados espalhados em alguns bancos exteriores. Da mesma forma, podemos encontrar seis exemplares praticamente intactos na exposição do Museu Municipal de Almeirim.
Banco no complexo das ruínas do Paço que apesar de já praticamente desprovido de azulejos, ainda tem alguns resistentes bocados a cobri-lo, como o do pormenor da segunda imagem.
Bibliografia:
EVANGELISTA, Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana. S/l: Edição do autor.
SANTOS, Hugo Miguel Aguiar (2009). Azulejo não é crime! Prova final de licenciatura apresentada ao departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra.
VASCONCELLOS, Frazão de (1926). “O Paço dos Negros da Ribeira de Muge e os seus almoxarifes”, separata da publicação Brasões e Genealogias. Lisboa: Tipografia do Comércio.
Clicar na imagem para voltar ao índice
Subscrever:
Mensagens (Atom)