Já por várias vezes abordamos esta
temática, nomeadamente aqui.
Contudo, ao debruçar-nos sobre os registos paroquiais entre 1706 e 1741 da
Paróquia de Santo António da Raposa, urge perceber mais a fundo esta questão no
início do séc. XVIII. Encontramos duas autoras que cruzam a temática dos registos paroquias com a
escravatura.
Apesar de se reportar no seu trabalho ao
século anterior (XVII), Mesquita (2005) alude às Ordenações Manuelinas, que tornaram
obrigatório o batismo dos escravos pelos seus senhores, sob pena de os perderem
para quem os acusasse. A salvação da alma dos escravos, segundo a autora, era
obrigação dos senhores para com os seus cativos. Os prazos variavam conforme a
idade dos escravos, indo de um mês (se o servo tivesse dez ou menos anos) a seis
meses (se tivesse mais que dez anos). Aos escravos nascidos em casa do senhor,
aplicava-se o mesmo que se aplicava às restantes crianças (primeiros oito dias
após o nascimento).
Quanto aos assentos em si, segundo
Mesquita (2005) e Godinho (2007), mencionavam para além do vinha estipulado ser
assentado, a condição de escravos dos pais, a cor da pele, a naturalidade do
escravo e o nome do senhor a quem pertenciam. Contudo, era comum a existência
de filhos de uma escrava e de um homem livre, por exemplo. Da mesma forma,
aparecem casamentos entre livres e escravos. Sobre o casamento, cabe a nota que
a Igreja defendia que os escravos, quando viviam amancebados, deveriam os seus
senhores deixá-los casar. Todavia, esta norma não era muito tida em
consideração, pelo que o número de filhos ilegítimos entre escravos era
bastante grande.
Era comum serem libertos os escravos em
testamento pelos seus senhores (sendo-lhe dada “alforria”), ou até ainda em
vida destes. Contudo, acompanhava-os sempre nos registos a designação de
“escravo forro de [nome do senhor]”. Era igualmente comum, sobretudo nas
situações em que se estreitava a relação entre servo e senhor, a utilização dos
apelidos deste último pelo primeiro.
Sabemos que a escravatura só irá ser
abolida no reinado de D. José (1750-1777), pelo que não será de estranhar a
existência de escravos na Paróquia de Santo António da Raposa. Contudo, no
primeiro livro de assentos desta paróquia, que media, como referimos, o período
de 1706-1741 (quase quarenta anos), apenas encontramos um registo relativo a um escravo, que passamos
a transcrever:
Aos
dezasseis dias do mês de Dezembro de mil setecentos e dezanove faleceu desta
vida presente Pedro Tinoco escravo de Leonarda Maria moradora na Vargea
Redonda, e morreu se[m] sacramentos por ser morte súbita; esta enterrado ao pé
do caminho na cepultura que [xxxxxxxx] sobre dita de que fiz este assento era
supra.
Assento do óbito de Pedro Tinoco, única referência a um escravos nos registos paroquiais de Santo António da Raposa entre 1706 e 1741.
À semelhança do que acontece com a
maioria dos assentos, também o deste escravo tem menos dados do que os de
outras paróquias. Com efeito, não sabemos a sua cor da pele (seria negro,
mulato?) nem a sua naturalidade (teria vindo de qualquer colónia africana, ou
já teria nascido na Ribeira de Muge ou em qualquer outro ponto do país?)
Contudo, não deixa de ser estranho que este
seja o único registo relativo a um escravo. Sabemos que os escravos aqui
estiverem presentes desde o século XVI, com a construção do Paço Real da
Ribeira de Muge, e parece-nos de todo razoável que aqui vivessem escravos
ainda, ou os descendestes destes. Posto isto, poderemos justificar esta
ausência de duas formas:
1. Tendo paço uma capela, teria esta um
livro de assentos próprio, sendo neste registado os assentos relativos aos
escravos? (ou o Convento da Serra, que detinha a responsabilidade de ali
efetuar as cerimónias litúrgicas). Desta forma, os registos que caíam no livro
da paroquial da Raposa relativos ao “Passos Negros” seriam os batismos e
sepultamentos realizados pelo padre da paróquia na igreja paroquial?
2. Conforme aventa Evangelista (2011),
seria possível que os escravos ainda no séc. XVI começassem a adquirir direito
de alforria por casamento com brancos? Desta forma, no séc. XVIII já não
existiriam “forros” nem pretos, mas apenas mulatos, mais claros de geração para
geração, pelo que não justificaria esta referência no assento.
Não sabemos se é alguma destas razões que
está na base da ausência da menção de escravos nos assentos da Paróquia de
Santo António da Raposa. Contudo, cremos ter levantando questões pertinentes.
Bibliografia
EVANGELISTA,
Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana.
S/l: Edição do autor.
GODINHO,
Anabela da Silva de Deus (2007). Lisboa Pré-Pombalina: A Freguesia da Sé –
Demografia e Sociedade (1563-1755). Tese de Doutoramento apresentada ao
ISCTE.
MESQUITA,
Maria Hermínia Morais (2005).
“Escravos em Angra no século XVII: uma abordagem a partir dos registos
paroquiais”, in Arquipélago – História,
2.ª Série, IX. S/l: Ed. Universidade dos Açores.