A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

segunda-feira, 28 de março de 2011

As BRINCADEIRAS

As Brincadeiras - A Festa e o Sagrado de Transgressão. Trata-se da recreação de uns folguedos que aconteciam em Paço dos Negros nos meios-dias santos.
As Brincadeiras, ajuntamento anual, desfile de cultura popular, aparentando ser um mero encontro profano, mais não é que a criação, o reconhecimento de um tempo e um espaço diferenciados. O espaço temporal em que decorrem os festejos torna-se, para o povo, um espaço inscrito no tempo, tempo que é um tempo cíclico, inviolável, que aguardam ano após ano. O espaço físico sendo um espaço secular é para estas multidões rumorosas e festivas ocupado como um espaço simbólico sagrado. Povo habituado ao sofrimento, quando não à fome, sendo dois meios-dias de jejum, que cumprem a rigor, não há lugar sequer para a comida e a bebida, muito menos os seus excessos. É assim criado um tempo e um espaço fortes em que as cantigas e os jogos campestres são claramente os elementos aglutinadores do grupo social que é a aldeia. Nestes descantes, jogos e brincadeiras em dia de Quinta-feira Santa é, contudo, notória uma inter-relação entre o lúdico, o profano e o sagrado. Há como que um ritual profano mas que se confunde com o religioso em que, o mito, para toda a população, está presente nos gestos ciclicamente repetidos. Nestes rituais profanos, que aconteciam em dias de grande densidade religiosa, havia como que uma estruturação de um tempo primordial que era actualizado anualmente nestes folguedos. A participação no evento era de tal modo vivida que o sentimento existente era quase trans-humano. À falta de meios materiais, o excesso próprio da festa era posto no único bem de que podiam usufruir: as cantigas, os jogos e toda a alegria que era intrínseca à sua condições de almas simples: – Na Quinta e na Sexta-feira santas, íamos do trabalho para as Brincadeiras e das Brincadeiras para o trabalho, sem comer e nem fome tínhamos. A sacralização de um tempo concreto O meio-dia era a hora sagrada, a partir da qual todas as actividades profanas estavam interditas. Tal como em Quinta-feira de Ascensão, era uma hora o meio-dia que nem os passarinhos iam ao ninho. Nos preparativos dos Meios-Dias-Santos, como que numa aplicação do Sabat, as pessoas atarefavam-se na manhã de Quinta-feira para deixar tudo em ordem, pois lhes era vedado, além de comer carne, o exercício de qualquer actividade laboral entre o meio dia de Quinta e até ao meio-dia de Sexta-feira Santa.

Ficou desse tempo esta memória em que o profano se confundia com o sagrado, que dia 10 de Abril a Academia vai reviver, recreando mais de tres dezenas de canções e jogos populares.