A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Onde está o Paço Real da Ribeira de Muge?–Paço dos Negros

Numa altura em que se tenta reduzir o Paço Real da Ribeira de Muge ao seu Pórtico, várias são as provas da sua existência, dimensão e arquitectura.

Todos os dias as provas da sua existência e os pilares do seu estudo e possível reconstrução são vandalizados e destruídos. Com incrível indiferença dos habitantes locais e conivência das entidades oficiais!

Além de considerar esta postura de uma pobreza sócio-cultural inadmissível nos dias de hoje,  começo a desacreditar na necessária suscitação do necessário interesse, principalmente por parte dos jovens, no seu reconhecimento e valorização.

Que se vão publicando as fotos e enaltecendo o trabalho do Dr. Manuel Evangelista.


image

 

1

clip_image002[6]

Portal. Um dos muitos existentes dentro do Pátio, cuja disposição localizada, assimetria e volumetria, indiciam ser de construção preexistente à edificação do Paço.

2

clip_image004[6]

Lajes em tijoleira. Contíguo ao Pátio do Paço Real.

3

clip_image006[6]

Pórtico do Paço Real da Ribeira de Muge. Construído nos anos de 1511-14: T. Tombo, CC, P1, maç 10, fol. 26; CC, P2, maç 27, fol.125.

Em destaque as armas reais, de coroa aberta, ladeadas pela esfera armilar do rei fundador, D. Manuel I, o Venturoso, e seis dos seus vinte merlões originais.

4

clip_image008[6]

Capela do Paço. Capela quinhentista, esteve aberta ao culto ao serviço das populações, durante cerca de quatro séculos. De entre muitas outras referências:

Em 1658 o Prior e Religiosos do Convento de NªSª da Serra recebem por alvará, Registo Geral de Mercês, Vários Reis, liv. 1, fl. 192v., 25$000 réis por ano para comprar um macho, para nele irem os religiosos do Mosteiro à Capela de Paços de Muja dizer as missas Domingos e dias Santos.

Quarenta anos depois, “Ordenado da Capela dos Passos”, de 1689 a 1699, que ao mesmo mosteiro Sua Majestade nos manda dar para o macho em que eimos aos Passos, dois moios de sevada todos os anos, nas Jugadas de Santarém.

As receitas provenientes das mesmas. No mesmo período, 1689 a 1699, um documento do Convento de NªSª da Serra declara que “No almoxarifado de Santarém, temos seis mil réis pelas missas da Capela dos Passos”.

Mesmo após a extinção do almoxarifado, e a propriedade ter sido doada, em 1790, a D. António Luís de Meneses, Marquês de Tancos e Conde da Atalaia, vemos em documentos do Mosteiro de Nossa Senhora da Serra:

Hum brinde para o Almoxarife de Almeirim passar as certidões da Capela dos Paços, $440 réis. Em Março de 1826.

Despesa de uma mulher para varrer a Capela dos Passos, $480 réis, em Junho de 1828.

Despesa para o novo selo de testação, que pagou o almoxarife da Capela dos Paços, $060 réis, em Maio de 1828.

Serviu de celeiro por todo o século XX, período durante o qual esteve a porta entaipada, tendo sido aberta uma outra nas traseiras, onde acessa ao moinho.

5

clip_image010[6]

Trecho do Muro da Cerca do Pomar Real, lado Norte, nas traseiras do complexo.

Foi o Pomar desde sempre parte integrante do complexo do Paço da ribeira de Muge.

Em todos os alvarás de nomeação dos almoxarifes do Paço da Ribeira de Muge (14), com variações no ordenado anual, duas coisas mantêm em comum, ao longo de quase três séculos: dois moios de cevada, para um cavalo que hão-de ter para guardar a Coutada, e a verba para o ordenado de dois homens que hão-de ter continuadamente para cuidar do pomar.

Vemos em Ch. D. João IV, liv. 17, fol. 38, aquando da nomeação do almoxarife João Rodel Figueira, “haverá 24 mil réis para hum (sic) homem que há-de sempre andar no Pomar dos ditos paços…”

6

clip_image012[6]

Antigo aqueduto sobre uma vala, de acesso às piscinas, moinho actual. (Segundo testemunhos, este moinho foi construído no início do século XX, sobre as ruínas de antigas piscinas.)

7

clip_image014[6]

Trecho do Muro da Cerca do Pomar Real, lado Oeste. Encontra-se soterrado sob as casas e barracas.

Vemos em Ch. D. Pedro II, liv. 9, fol. 258, aquando da nomeação do almoxarife Paulo Soares da Mota (I) “… e 24 mil réis para dois homens que hão-de andar contínuos trabalhando nos pomares dos ditos passos…”

Dentro da Cerca foram encontrados, nos anos 50 do século XX, várias moedas e cerâmicas romanas, bem com de outras cronologias.

8

clip_image016[6]

Moinho dos Frades (interior). Construído no início do século XX, cujo nome “Moinho dos Frades” herdou de um outro, assim conhecido pelo facto de os frades ali virem rezar missa.

(Esse outro, que existia cerca de 100 metros (cem) mais abaixo, está documentado como sendo de Francisco Palha, contador-mor de Santarém, que “abriu mão” das suas três escrituras de três assentos de moinhos e terrenos, em 1511, para que o rei pudesse ali construir o Paço, CC, P1, maç 10, nº 26.

Foi em 1546 doado ao almoxarife Estêvão Peixoto, Ch. D. Seb. e D. Henrique, liv. 24, fol. 191; Em 1719 foi comprado por António Roiz, morador nos Gagos, cujas confrontações não deixam margem para dúvidas: Lado Nascente, com a Madre de Água; lado Norte, com o Muro do Orta dos Passos de Sua Majestade que Deus guarde; do Poente, com a estrada que vai para a vila de Mugem; do lado Sul, com o Porto das Carretas e com terras do Moinho do Pinheiro…, ch. D. João V, liv. 63.

Trabalhou ainda no primeiro terço do século XX. Ainda há poucos anos podiam ver-se algumas paredes.)

9

clip_image018[6]

Trecho de Tanque Quinhentista. Situado no vértice do Muro da Cerca do Pomar Real, lados Oeste/Sul. Dois outros tanques do sistema de rega do Pomar existiam, junto ao muro, no lado Oeste.

Em Frazão de Vasconcelos, 1926, vemos: Trechos de um pequeno aqueduto sobre arcaria mostram a antiga distribuição das águas para as hortas e pomar, que era rico de excelentes frutos.

10

clip_image020[6]

Trecho do Muro do Pátio do Paço Real, lado Sul. Confina com o lado Norte do Pomar Real.

Vemos em Ch. D. João V, liv. 41, fol. 308, aquando da nomeação do almoxarife João de Seixas Henriques, “ …e 24 mil réis de dois homens que hão-de andar contínuos trabalhando no pomar dos ditos passos…”

11

clip_image022[6]

Trecho do Muro da Cerca do Pomar Real, lado Sul, junto à estrada do Arneiro da Volta.

Vemos em Ch. D. João IV, liv. 28, fol. 103, aquando da nomeação do almoxarife Francisco de Almeida “…e os 24 mil réis em dinheiro para os homens que hão-de servir de continuo no benefício do pomar…”

12

clip_image024[6]

Paredão. Ruína dentro do terreno (horta) de Manuel Maria Cipriano. Tem mais de 20 metros de comprimento, sendo perpendicular com a da foto nº 13.

Situa-se junto ao Muro da Cerca do Pomar Real, lado Nascente.

13

clip_image026[6]

Ruína de Ferraria? Situa-se junto à Cerca do Pomar Real, lado Nascente, do lado exterior, dentro do terreno (horta) de Manuel Maria Cipriano. Avança para leste, por dentro do aluvião (terra de arroz).

Vemos em Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, Tomo XXVIII: 251, publicação de 1947, que se refere a deux monticules constitués par des scories de fondition, probablement contemporains du chateau.

Escórias estas, que existiram junto a este local, até 1953.

14

clip_image028[6]

Antigo aqueduto, junto ao Paço, sobre uma vala. Dá acesso ao actual moinho, terras de cultura de arroz e à própria ribeira de Muge.

15

clip_image030[6]

Panorâmica do Muro da Cerca do Pomar Real, lado Sul, paralelo à estrada do Arneiro da Volta.

Vemos em Ch. D. José I, liv. 23, fol. 187, aquando da nomeação do almoxarife de Paulo Soares da Mota (2) “…haverá 40 mil réis em dinheiro, com a obrigação de pagar à sua custa a dois hortelões (24 mil), que são necessários para a horta, que trará sempre cultivada, com as suas ruas limpas…”

16

clip_image032[6]

Paredão. Continuação para Norte, no sentido do Paço, do Paredão referido em 12. Situa-se junto ao Muro da Cerca do Pomar Real, lado Nascente.

17

clip_image034[6]

Pórtico de acesso aos Corredores. Consistiam estes “corredores” em um conjunto de arcadas, forradas a azulejos, com um conjunto de bancos também em azulejos, que ia desde o Paço, pelo lado Nascente da Cerca do Pomar Real, até próximo do moinho referenciado em 8.

Eram “os Corredores”, lugar de recreio e folguedos.

(Deste moinho, saiu para se casar na Capela do Paço, no dia 29 de Janeiro de 1729, para o que teve uma autorização especial do arcebispado, e por estes belíssimos “Corredores”passou, Josefa Maria, a filha do moleiro. Nesta altura, os actos oficiais, casamentos, baptizados e funerais, eram já efectuados na igreja paroquial da recém criada freguesia de Raposa.)

18

clip_image036[6]

Ruína de Banco de azulejos hispano-árabe. Um dos muitos que se dispunham, alinhados, por toda a ala Nascente da Cerca do Pomar Real, chamada “Os Corredores”. Podem ainda ver-se, in loco, restos de alguns destes antigos bancos de azulejos.

Frazão de Vasconcelos op. cit.: Não vimos lá pedras de lavores artísticos e os trabalhos de alvenaria nada indicam de notável, alterado como está, o edifício por modernas reconstruções. Os azulejos quinhentistas que cobriam as paredes foram arrancados e dos milheiros deles que na obra se empregaram de 1512 a 1514 poucos existem já. Um banco de alvenaria conserva ainda o seu primitivo aspecto, forrado de azulejos policromos hispano-árabes. Inteiros, raros haverá mais. Alguns trouxemos para o Museu do Carmo, por oferta do actual proprietário do Paço, sr. Manuel Francisco Fidalgo.

19

clip_image038[6]

Paço dos Negros da Ribeira de Muge, Romano?

A 1 km do Paço. Ponte Romana? www.ipa.min-cultura.pt/: É uma estrutura que corresponderá ao alicerce de uma ponte localizada sobre a Ribeira de Muge, e que segundo a bibliografia especializada se localiza no itinerário da via romana Scalabis/Évora, sendo pois provável que esta estrutura esteja relacionada com a existência de uma ponte de cronologia romana. Situa-se na ribeira de Muge, cerca de 1 km a sul do Paço.

20

clip_image040[6]

Nas Ferrarias, a 5 km a sul do Paço da Ribeira de Muge, à beira da estrada e a cerca e 100 m da ribeira de Muge, além de Estação ao Ar Livre, existe um Cabeço de Ferro, cuja estação denominada Monte do Ferro, foi identificada e classificada quando se abria a estrada, em 1953.

Recolhidos materiais de vários períodos, nomeadamente Mesolítico, Idade do Ferro, Romano e Medieval. www.ipa.min-cultura.pt/.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Drepanociptose – (Ciência pouco científica)

Erros como os que vamos verificar, porque sistemáticos, têm vindo a contribuir para a ignorância sobre o Paço Real da Ribeira de Muge. E a ignorância é a mãe de todas as destruições deste e doutros paços, na qual os políticos, e outros, desde sempre se têm apoiado.

Encontrámos uma uma brochura elaborada por equipa do Hospital de Santarém, sem data, como conclusão de um estudo sobre a drepanociptose, o qual contém um rol de incorrecções relativamente ao o Paço dos Negros da Ribeira de Muge. Porque o documento parece empenhado em afirmar tudo quanto é contrário à realidade histórica, passemos a analisar o que o mesmo diz. Logo a abrir, em Notícia Histórica,

citamos a página 7:

«A presença de raça negra nos concelhos de Almeirim e Coruche não pode fixar-se antes do século XIX, ao contrário do que ainda defende uma tradição sem fundamento.

Nos períodos em que a Corte viveu em Almeirim, correspondendo aos anos 1500 a 1578, admite-se que alguns escravos a tivessem seguido para o desporto de caça que se praticava na região, mas os casos a apontar são esporádicos.

Por tal motivo, não se confirma a tradição de que houve no sítio de Paço dos Negros, uma fixação africana de onde derivou o topónimo de Paço dos Negros. Esse local da freguesia da Raposa e concelho de Almeirim nunca é citado nos registos paroquiais, nem em relatos de viagens do tempo, como sendo o de negros ali residentes.

Existe ali um palácio sem dúvida senhorial, pelo brasão do século XVI que encima a portaria e que presumimos ter sido a residência de caça do fidalgo Fernão Soares, pagem do livro de D. João III, falecido em 1544 e que jaz no vizinho convento de Nossa Senhora da Serra.

Como Paço dos Negros, essa moradia hoje desprovida do traço original, só no século XIX passou a ser conhecida.

No século XIX, sim, viveram ali grupos de africanos que os governos da Regeneração fizeram vir para a metrópole afim de os adaptar a vários tipos de vida agrícola.»

Na página 12: «Em 1890 chegaram centenas de pretos de Angola a Lisboa, destinados a trabalhos agrícolas. Foram distribuídos por várias regiões entre elas a de Santarém…muitos deles foram levados certamente para Ameirm e Coruche – onde já havia outros desde 1850-para a cultura do arroz. Foram eles os ascendentes de muitos habitantes que hoje vivem nas Fazendas de Almeirim, Raposa, Lamarosa, e localidades próximas. Admitido gerações de 20 a 25 anos, temos a concluir que essas populações se radicam no Ribatejo há 130-110 anos, o que corresponde a 4 ou 5 gerações.»

Na página 23: «Embora Paço dos Negros – nome de povoação – estivesse na origem da escolha da área a estudar e dados históricos nos pudessem confirmar a existência de negros nesta mesma região, foi-nos negado o conhecimento de antecedentes de raça negra em todos as crianças com traço drepanocitário.»

Com todo o imenso respeito que possamos ter pelos nomes que constam da Ficha Técnica, não podemos deixar de repor a verdade histórica neste caso, ao qual, se nos aspectos técnicos e da temática da “doença” em estudo não temos nada a dizer, embora pensemos que não será a mesma coisa terem as populações estudadas 500 anos de contacto com gentes africanas, e 100 anos, como são as premissas em que se baseia o referido estudo e nos querem fazer crer:

1 – A presença de populações africanas não é uma tradição sem fundamento. Temos acesso a largas dezenas de documentos que nos dizem quando vieram (logo a partir de 1511), quem os pediu, quem os enviou, quantos eram, a quem pertenciam, o que recebiam para seu mantimento, etc.

2 - Este Paço é mencionado em larguíssimas dezenas de documentos das diversas chancelarias reais, sempre referido como “os meus Paços da Ribeira de Muge”, a partir de 1685 “os meus Paços dos Negros da Ribeira de Muge”. É o caso da nomeação real dos 14 almoxarifes do Paço.

O próprio documento, de 1511, 22 de Abril, em que o contador mor de Santarém dá conta ao rei D. Manuel do estado dos terrenos, seus donos e escrituras, e do que é necessário para o “aviamento das obras”. nesta, pede logo ao rei que lhe mande uma dúzia de escravos. Escravos que recebeu. Em 1529 eram já 30.

3 – Não se trata de uma mera casa senhorial. D. Manuel I, D. Sebastião, D. Catarina, aqui gostavam de se recrear. O caso do pagem Fernão Soares, com moradia neste paço, esse sim, é pura especulação, pois não nos aparece referenciado em nenhum documento referente a este paço.

4 - A cartografia, que já no século XVII referencia o paço como o “Paço da Serra”, “Palácios”, e o “Vale de Negros” nesta região.

5 - O facto de não aparecer mencionado nos registos Paroquiais, dever-se-á a erros de compreensão do próprio questionário, pelo pároco de Raposa, como se verifica pela forma desordenada, repetitiva, incompleta e ilógica da ordenação das respostas, que tem como consequência ser considerado, em 1758, pelo visitador do patriarcado: «João Rodrigues Delgado, não é mal procedido, pouco letrado, e não é muito vigilante em ser perfeito pároco…», e os negros já estarem assimilados, e ou dispersos pelos casais em redor, como o prova o funeral de um escravo, Pedro Tinoco, na igreja de Raposa, em 1719, que morava no moinho da Várzea Redonda.

6 - A afirmação de que o paço só passou a ser conhecido a partir do século XIX, trata-se de uma outra ideia preconcebida, pois foi precisamente a partir do ano de 1834, data da extinção dos conventos, com o fim da missão dos frades dominicanos de Nossa Senhora da Serra de ao Paço dos Negros virem dizer missa, de que temos registos até esta data, até ao limiar de 1900, com a venda do paço, estando o Paço na posse da Casa de Atalaia/Tancos, e após esta venda, cerca de 1880-1919, e sua ruína, que a história deste Paço e lugar, é mais apagada e nebulosa.

A concluir, devo dizer que tenho interrogado pessoas que nasceram no início do século XX, mesmo finais do século XIX, (minha mãe nasceu em 1913, meu avô nasceu em 1864, convivi com ele 12 anos), pessoas que há 20 anos interroguei, e na altura tinham 100 anos (por esse motivo as interroguei), e ninguém tem memória da existência de pessoas negras, mulatas ou pardas, na região. O que não aconteceria se porventura tivessem vindo em 1890.

Sinteticamente embora, espero que tenha ficado claro este erro. Das premissas e das conclusões do documento não nos pronunciamos. Só esperamos que a discrepância temporal, não obste a considerar válido o resultado dos estudos. Um problema deles técnicos de saúde.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Saberes e dizeres populares da Ribeira de Muge

Ditos do dia de S. Brás, recolhidos em Paço dos Negros:

clip_image001

De Fevereiro, o terceiro guardarás, que é o dia de S. Brás.

clip_image002

clip_image003

Dia 3 é dia de S. Braz. É o protector da garganta. As mulheres pediam para terem boa voz para cantar, e saúde para os meninos que podiam morrer engasgados. Diziam: S. Braz acuda ao rapaz!

clip_image005

 

clip_image001[4]

No dia de S. Braz, ou o Inverno está para diante ou está para trás.

clip_image007Se o S. Braz estiver a rir, está o inverno para vir, se estiver a chorar está o inverno a passar.

clip_image008

Havia um homem que trabalhava todos os dias santos. Um seu vizinho perguntava-lhe se ia trabalhar, ele respondia que sim.

- Mas olha que é dia santo.

- Que dia santo? – E ficavam assim.

Vinha outro dia santo e era a mesma coisa…

clip_image010

Depois veio o dia de Santa Maria.

- Então amanhã vais trabalhar?

- Pois vou.

- Mas amanhã é dia santo.

Que santo?

- Dia de Santa Maria. O dia dos olhos.

- Olha se me tirar um, ainda fico com o outro.

No dia a seguir é o dia de S. Brás.

- Então amanhã vais trabalhar?

- Vou. Então porque é que não hei-de ir?

- Olha que amanhã é dia de S Brás.

É pá em S. Brás é que eu não vou, porque goela há só uma.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

CONSTRUINDO A HISTÓRIA E A CULTURA

Neste trecho, Pedro Matela contador-mor de Santarém e Abrantes, pede ao rei que mande uma dúzia de escravos para a construção do Paço da Ribeira de Muge. Escravos estes que ficaram e que deram o nome à terra. Tem data de 22 de Abril de 1511. Com base neste documento pensamos acrescentar algo à Cultura de Paço dos Negros, nesta data histórica da terra, 22 de Abril.
«Outrossim senhor os servidores para servirem na dita obra por ser alongada de conversação hão-se trabalhosamente e por mor aviamento da obra me parece que será vosso serviço mandar a ela uma dúzia de escravos e eu mandarei mui bem cuidar deles e estarão na dita ribeira e servirão e forrarão dinheiro a vossa alteza por que posto que os que estavam em Almeirim fizessem pouco proveito e foram mal vendidos estes farão mais proveito e serão melhor vendidos quando vossa alteza mandar por que eu proverei em tudo como cumpre a vosso serviço.»
Folha do despacho
(curiosidade: na metade esquerda do doc., em baixo, pode ler-se “A el-rei nosso senhor” escrita invertida). 17  anexo Matela


sábado, 19 de janeiro de 2013

A minha guerra em paz, numa Terra que era uma promessa a acontecer

Porque um amigo (re) publicou na Net e porque de várias partes do país, por alguns Amigos, me chegou um feedback, e ainda porque o artigo do Correio da Manhã, resumido, talvez por falta de espaço, de algum modo não transmitiu toda a ideia subjacente, eis o artigo completo:

«A minha ida à guerra do Ultramar foi um pouco diferente dos dramas que o “Correio” tem apresentado, e que sempre leio, com respeito pelo sofrimento de tantos. Trabalhava “nas obras”, para mim foi o agarrar de uma oportunidade.

Eis o que recordo deste período que me fez alimentar o sonho e crescer para a vida:

Passei por Coimbra e Figueira da Foz, onde fiz a recruta e especialidade de condutor. Em Santarém veio a mobilização para integrar o Pelotão de Apoio Directo 9782. Um grupo de 52 especialistas em reabastecimento de peças, mecânica-auto, pintura, socorro de viaturas, carpintaria, armaria, soldadura de urnas, etc. Aguardámos o embarque de Março a Junho de 73, no Entroncamento, e depois em S. Margarida. Ali o nosso sargento Bastardo, homem culto, fazia umas palestras culturais. Era o início de um sonho.

Embarcámos em avião da TAP, no dia 23 de Junho. Recordo-me que nesse dia, havia festa na aldeia, triste, mal me despedia de minha mãe e, de motorizada, o velho caminho da estação de Santarém era novo, um sentimento feliz me invadia, o vento a bater na cara parecia voar nas nuvens. Inconsciente? Sonhador? Talvez.

Na manhã de 24 chegámos a Luanda. Aquele bafo ao sair do avião, o calor, aquele cheiro a África, marcou-me.

Estivemos até ao dia 29 no Grafanil. Tínhamos alguma liberdade de ver a Luanda moderna, sedutora, colorida, bem diversa de uma metrópole velha e vestida de negro. Ali se juntaram ao PAD alguns soldados africanos negros.

Fizemos 1050 kms de MVL (viaturas civis), até Henrique de Carvalho. Via-se um grande surto de progresso na cidade. Muitas gruas. As principais ligações estavam já asfaltadas, muitas estradas e pontes em construção.

Mas eram notórios aspectos positivos e negativos, um misto de integração e segregação: À chegada, quando da ocupação da camarata, faltavam colchões de espuma para os africanos. Foi um momento tenso. Estes reclamavam da discriminação na sua terra. Três soldados, representando o Portugal profundo na sua matriz cultural, coesão e diversidade, juntaram-se ao protesto dos africanos. Um da politizada Beja, com argumentos políticos, outro da religiosa Braga, de Joane, Famalicão, com argumentos religiosos, e este que escreve estas linhas, com argumentos humanistas e sociais.

E o comandante concertou com o Batalhão, e fez-se justiça aos autóctones sob o seu comando. Fiz amigos entre eles. No próprio PAD, em sala e horário dedicados, um furriel como professor, e alguns dos africanos fizeram o exame da quarta classe. Sinto orgulho de ter participado. Um deles veio a tirar a carta de condução.

Logo se apresentou um regimento de lavadeiros, um exército de rapazes dos quimbos, a troco de uns escudos, poucos, que lavava a roupa aos soldados.

Incentivado pelo nosso sargento, em Setembro realizava já o meu sonho, tinha aulas do 5º e 6º anos, na cidade; tendo concluído com exame em Março de 74, ao abrigo de regime militar. (seria o início de um longo processo que terminou mais tarde na U. Nova de Lisboa). Nas férias tirei a carta de condução de pesados. Matriculei-me no ano lectivo seguinte, mas o regresso antecipado, devido ao 25 de Abril, interrompeu este percurso.

Havia sempre torneios de futebol, motocross, cinema no cine- Chicapa, ou na Base Aérea, piscina ao domingo, “praia” nas quedas do rio Chicapa.

Claro que havia as saudades. Recordo-me das saudades que tinha das memórias da minha aldeia: do frio, da aguardente e das passas de figo. Hoje não teria saudades do frio, não.

Fiquei responsável pelo pronto-socorro e pela estação de serviço. Acompanhado de um furriel, um cabo e um soldado, que se revezavam, e o meu “amigo”, o velho Diamond, que consumia 50 litros de gasolina aos cem, e que operava num raio de 300 km, fazíamos serviços a civis, ou viaturas militares impossibilitadas de locomoverem até ao PAD para serem reparadas.

Várias vezes percorri as longas distâncias nas Lundas dos quiocos, tanto de dia como de noite. Tiros nunca ouvi. Sorte? Ou a paz dos diamantes da Lunda?

Nestas viagens, viam-se mulheres, crianças e velhos, errantes na sua própria terra, na margem das estradas, carregando os seus haveres, em longas distâncias que, dizia-se, era a estratégia da guerrilha, andar com a casa às costas, devido à fuga dos homens válidos para o outro lado da barricada, no território, ou para lá da fronteira, e a quem a tropa dava boleia, no que se dizia fazer parte da “acção psicológica”.

Mas a acção da tropa não era sempre assim tão nobre, quiçá aconteceram abusos destas mulheres, por militares. Envergonhei-me um dia, ao ver uma perseguição e debandada destas caminhantes, entre Cacolo e Henrique de Carvalho.

Certo dia numa paragem em Muriége, quando espoletávamos umas cervejas, surge, entre outros, um negrito de oito, nove anitos, tão meigo como despido, de olhos tristes, que mal sabia falar português. Era hábito estas crianças pedirem uma moeda “ao branco”. Prontifiquei-me a dar uma moeda, mas um deles não aceitou o gesto. Perguntei-lhe o nome: – Terra – respondeu o negrito.

Terra nome, naquele lugar, contexto e cultura, meditei, mas não apreendi o significado.

Terra, um nome que era uma promessa a acontecer em Angola?

Pouco tempo depois aconteceu o 25 de Abril.

No final de 74 assisti aos primeiros comícios, em paz, em Henrique de Carvalho.

Regressou todo o PAD a Luanda antes do Natal. Passámos mais de um mês na Luanda da linda baía e das belas praias, comprámos prendas, não vi violência na cidade. Regressou o PAD/9782, em avião da TAP, no dia 28 de Janeiro de 75, um dia que sendo uma promessa numa terra a acontecer, se tornou num dia fatídico para Angola: o dia em que tomou posse o primeiro governo formado pelos três partidos angolanos, o dia que, de algum modo, quiçá adiou a promessa daquele menino e começou um longo período negro de guerra civil.

Manuel Evangelista, 61 anos, casado, três filhos. Natural e residente em Paço dos Negros, Almeirim. Ex-Inspector-chefe de Trens e Revisão da CP. Reformado.

Estive em Angola de Junho de 1973 a Janeiro de 1975»

Nota: um grande abraço ao meu Amigo Veiga Trigo. Tu já não te lembrarás, mas eu recordo-me bem que foste tu o maior impulsionador para se fazer justiça aos soldados africanos, logo à chegada.

eis algumas fotos que não foram publicadas:

PAD COMPLETO, SEM OS AFRICANOS.

tropa definitivo

AO DOMINGO, NAS PISCINAS

untitled 2.jpg (3)

PARA MAIS TARDE RECORDAR

macaco h. carvalho 73

PRIMEIRO LUGAR NUM TORNEIO DE FUTEBOL. Árbitro: Veiga Trigo.

pad torneio 74 1º lugar

Paragem em Muriége, terra do negrito Terra.

muriege agosto 74

primeiro comício do MPLA em H. Carvalho, com alguns Amigos negros.

primeiro comício mpla H. Carvalho 1974