A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

domingo, 16 de maio de 2010

Academia da Ribeira de Muge - Aldeia de Marianos

Um "verso" recolhido em Marianos, que retrata a vida comunitária da aldeia. Pressente-se uma voz colectiva, em que a partida de um grupo de três rapazes para a Guerra de 14-18, foi cantada pelas mulheres.


Recolha efectuada junto de Jesuína Borrega, iletrada, nascida em 1927, Marianos.

Aldeia de Marianos,
Rodeada de tristeza,
Já te falta a mocidade,
Falta-te a maior riqueza.

Três separações que houve,
As três deixastes abalar,
A flor da mocidade,
Já me cá vai a faltar.

Muitas mães choram, choram,
Pelos seus queridos filhinhos,
À despedida lhe deram,
Abraços, muitos beijinhos.

Filhos do meu coração,
Quem lhes pudera valer,
Antes que eu queira não posso,
Este caso resolver.


De salientar que as raparigas da ribeira de Muge, de pobres que eram, para enviarem uma foto para os namorados, maridos, que estavam na guerra, em França, pediam o vestido emprestado ao fotógrafo.

Rapariga de Marianos

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Academia da Ribeira de Muge-O dia da Espiga

Mas não pense o estimado visitante deste blog, que as proibições e interditos em dia de Quinta-feira de Ascensão, o facto de não se trabalhar, era negativo, no contexto social da época. Não. Tinha coisas positivas? Tinha-as e de que maneira.

Eram as mesmas pessoas que se recusavam a trabalhar, as que aproveitavam estes dias para passear no campo.

Oiça só. O Dia da Espiga

Academia da Ribeira de Muge-Quinta-feira de Ascensão


Hoje, Quinta-feira de Ascensão, algumas frases que recordam vivências, ditas por mulheres da Ribeira de Muge:

Em Quinta-feira de Ascensão davam o leite. Ainda não era manhã já os cachopos iam todos aí por esses cabeços fora com a garrafinha na mão, à procura da pinguinha do leite, nas casas dos lavradores.

"Era um dia santo tão grande, que havia uma hora que nem os passarinhos iam ao ninho.

A minha mãe no dia de Quinta feira de Ascensão nem me deixava esgravatar no chão. Dizia que era pecado.

Na Quinta-feira de Ascensão, quem não come carne nem leite, não tem coração.
Depois aconteciam canções cheias de interditos, como a que a Academia da Ribeira de Muge recolheu em Paço dos Negros:

Clique para ouvir: Quinta feira de Ascensao

sábado, 8 de maio de 2010

Contos de Entre-Muge-e-Sorraia

Para quem não leu n'O Almeirinense

Um conto bem ao jeito dos antigos cabreiros de Entre-Muge-e-Sorraia

Foi pior a emenda que o soneto

Ali à beira da estrada que vai de Paço dos Negros para a Lamarosa, entre o Zebro e o Zebrinho, há mais de setenta anos, numa palhota no meio dos sobreiros, morava um pobre diabo de nome José Rizo.
A razão da alcunha que tinha de Zé Mocho não é para aqui chamada. Fêmeas.
Pequenino. Vivaço. Mas um homem não é coisa que se meça aos palmos. E nem sempre o ditado popular é verdadeiro. Era na verdade um honrado cavalheiro, como vamos ver pelo modo como fez questão de se desenvencilhar perante o doutor juiz quando este, vejam só, teve a ousadia de pôr em questão brios, juras e honras pessoais.
– Pronto!!!... José Rizo, por alcunha o Zé Mocho! Na Lamarosa não há outro!
Deve ficar dito desde já que, desvios de bens alheios nem por sombras. Foi por causa de um caso de saias que José Rizo, por jeitos especializado no deslindamento destes e doutros casos, foi chamado ao Tribunal de Coruche para servir de testemunha.
Audiência concorrida, as mulheres sempre queriam ver a cara da desavergonhada.
Quando o doutor juiz chamou por José Rizo, ele ergueu-se num pulo:
– Pronto!!! Senhor doutor juiz! José Rizo, por alcunha o Zé Mocho! Na Lamarosa não há outro!
O juiz admirado com tanto desembaraço, deu um olhar de relance pela sala, a desautorizar o sussurro que nela se levantava. Uma martelada na mesa. Pigarreou...: Silêncio!!!
Zé Mocho olhou para o lado e viu a assistência que por acaso era tudo pessoas da Lamarosa, num burburinho que só não atingiu a algazarra geral porque o juiz lhes pôs o dedo no nariz, começou a ficar encavacado.
Com medo de que, chegando cá fora com tão nobre auto-título, as levasse, cortou-as: – Peço desculpa ao senhor doutor juiz! Sou eu e a cabra do João Neves!
Mas, conta-se, foi pior a emenda que o soneto: o Juiz ficou sem entender, e o burburinho atingiu a algazarra geral. É que a cabra do João Neves era conhecida pelo tamanho da sua armadura.





domingo, 2 de maio de 2010

Santo António de Cadoiços


Trecho de mapa de Mário Saa

São conhecidos os famosos concheiros de Muge, de épocas pré-romanização.
Para Mário Saa, investigador, a Ribeira de Muge é o traçado onde assenta o célebre itinerário romano de Antonino Pio, sobre a qual estabeleceu uma das conclusões essenciais da sua obra, “As Grandes Vias da Lusitânia”: a tese de que o Itinerário XIV de Antonino, assentava na margem direita da ribeira de Muge, em toda a sua extensão.

Mas será este território da ribeira de Muge apenas romano?

São conhecidos os famosos concheiros de Muge, anteriores à romanização.
Mário Saa atribuiu o nome de Per[a]briga às villae de Vila Longa, junto da foz do Muge, e Aritium Pretório ao cimo.
Este traçado, defendido por Saa, é o único que satisfaz simultaneamente as condições postas pelo Itinerário de Antonino e Mapa de Ravena:
Mede a distância de 61 quilómetros, o que corresponde às primeiras 38 millium passum do Itinerário de Antonino, de Porto Sabugueiro, até Aritium Praetorium (Água Branca), bem como os restantes troços dos referidos mapas.

Neste percurso, vemos que a cada troço de cerca de 12 milhas (19 km), uma distância ideal, se situa um ponto de apoio à estrada.
Partindo de Porto Sabugueiro, ao km 19, o Paço dos Negros da Ribeira de Muge, estratégico, onde foram encontradas moedas romanas, e outros achados; ao km 39 chegamos à Estalagem; ao km 61 Água Branca, o dito pretório.

Outros topónimos: A 7,5 km os Caniçais (da Rainha), A 13 km, as Ferrarias, com o seu Cabeço de Ferro e estação ao Ar Livre, classificados como Necrópole. Foram aqui recolhidos materiais de vários períodos, nomeadamente Mesolítico, Idade do Ferro, Romano e Medieval.
Mais a norte, a 17 km, temos a Ponte Velha e a velha passagem da Ribeira, que já foi denominada Ponte do Bispo, ao km 18; confundindo-se com o local de acesso à ponte romana na via Santarém Évora. Ao km 46 temos Folgas e ao km 51 a Estação, ao 53 Cadouços.
A coroar este percurso da ribeira de Muge, ao cimo da ribeira, o referido por Saa, Cevo de Muge.

Como se vê, vetustos caminhos e topónimos que nos sugerem algo como velhos trilhos de passagem de caminhantes, apoio e descanso de viajantes, repasto (cevo) de gados.

Cadouços, ao cimo da Ribeira de Muge. Santo António de Cadoiços, em Mário Saa.
Procurámos o significado de tão estranho nome.

Moisés Espírito Santo, na sua obra, “Fontes Remotas da Cultura Portuguesa”, num estudo da origem dos topónimos de localidades portuguesas, dá-nos o significado de Cadoiços, kadosh – Santuário –, na língua Ugaritico-Cananita, falada na península ao tempo dos Fenícios.