A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

sábado, 8 de maio de 2010

Contos de Entre-Muge-e-Sorraia

Para quem não leu n'O Almeirinense

Um conto bem ao jeito dos antigos cabreiros de Entre-Muge-e-Sorraia

Foi pior a emenda que o soneto

Ali à beira da estrada que vai de Paço dos Negros para a Lamarosa, entre o Zebro e o Zebrinho, há mais de setenta anos, numa palhota no meio dos sobreiros, morava um pobre diabo de nome José Rizo.
A razão da alcunha que tinha de Zé Mocho não é para aqui chamada. Fêmeas.
Pequenino. Vivaço. Mas um homem não é coisa que se meça aos palmos. E nem sempre o ditado popular é verdadeiro. Era na verdade um honrado cavalheiro, como vamos ver pelo modo como fez questão de se desenvencilhar perante o doutor juiz quando este, vejam só, teve a ousadia de pôr em questão brios, juras e honras pessoais.
– Pronto!!!... José Rizo, por alcunha o Zé Mocho! Na Lamarosa não há outro!
Deve ficar dito desde já que, desvios de bens alheios nem por sombras. Foi por causa de um caso de saias que José Rizo, por jeitos especializado no deslindamento destes e doutros casos, foi chamado ao Tribunal de Coruche para servir de testemunha.
Audiência concorrida, as mulheres sempre queriam ver a cara da desavergonhada.
Quando o doutor juiz chamou por José Rizo, ele ergueu-se num pulo:
– Pronto!!! Senhor doutor juiz! José Rizo, por alcunha o Zé Mocho! Na Lamarosa não há outro!
O juiz admirado com tanto desembaraço, deu um olhar de relance pela sala, a desautorizar o sussurro que nela se levantava. Uma martelada na mesa. Pigarreou...: Silêncio!!!
Zé Mocho olhou para o lado e viu a assistência que por acaso era tudo pessoas da Lamarosa, num burburinho que só não atingiu a algazarra geral porque o juiz lhes pôs o dedo no nariz, começou a ficar encavacado.
Com medo de que, chegando cá fora com tão nobre auto-título, as levasse, cortou-as: – Peço desculpa ao senhor doutor juiz! Sou eu e a cabra do João Neves!
Mas, conta-se, foi pior a emenda que o soneto: o Juiz ficou sem entender, e o burburinho atingiu a algazarra geral. É que a cabra do João Neves era conhecida pelo tamanho da sua armadura.