A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

domingo, 18 de novembro de 2012

O pão

A propósito de uma questão de trânsito em Almeirim, aliás (não) resolvida do modo mais sábio e saboroso.

Segundo o sociólogo alemão, Norbert Elias, o pão revela toda a cultura de um povo. Diz ele que, entrando numa padaria, fica-se a conhecer o seu presente, mas também todo o seu passado.

Desde sempre o pão na nossa cultura se reveste de uma dignidade própria. Quem não se lembra de ver os nossos pais e avós (ou não o pratica) que, ao cair ao chão um pedaço de pão o apanhavam e, beijando-o, o aproveitavam. De terem o cuidado de nunca deixarem o pão virado de costas.

A própria etimologia da palavra pão nos revela a dignidade e riqueza associadas às palavras estruturantes da sociedade, como pai, pátria, patrão, padeiro, padrinho, papa, etc.

O sociólogo Fernand Braudel, por sua vez, distingue o processo evolutivo da humanidade, em três grandes civilizações, cada uma delas associada basicamente a uma espécie de cereal, durante milénios, que considera plantas de civilização: A asiática ligada ao arroz, a ameríndia ligada à cultura do milho e a europeia que nasceu no Crescente Fértil, herdeira da cultura do trigo, a que associa o que considera o superior desenvolvimento da sociedade ocidental pelas propriedades alimentares deste cereal.

Hoje a sociedade é essencialmente prática e funcional, o simbólico não é percebido ou não tem lugar, pelo que podem parecer, estas divagações, não aplicáveis nos dias que correm.

Mas não é assim. O simbolismo do pão continua presente na nossa cultura.

Vêm estas considerações a propósito do tratamento diferenciado que a nossa sociedade continua a dar a locais onde o pão (e seus derivados) é rei e senhor.

Experimente o meu caro visitante deste blogue passar em Almeirim, pela rua Condessa da Junqueira e veja em frente à padaria ali existente os carros estacionados em cima dos passeios, o trânsito não raro parado, enquanto os seus proprietários se abastecem de um aromático pão quentinho, ou se deliciam com um saboroso bolo e um cafezinho, com toda a compreensão da sociedade.

Pão acabado de cozer. Foto desse ritual, há 4 anos, em casa da senhora do meio, que faria agora 100 anos.

pão