A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

A Capela de S. João Baptista do Paço da Ribeira de Muge

Cronologia de uma morte anunciada?


Foi a capela rebocada a cimento puro e duro, no seu interior em 2005.

Foi rebocado o seu exterior em 2007.

Em 2010, veja o estado actual do telhado, que continua a deixar entrar a chuva.

O que é que se passará com o telhado, que sempre ouvimos dizer nos debates eleitorais na rádio, que dinheiro não era problema para a Câmara?

Não é preciso que me agradeçam por lhes mostrar esta fotografia do telhado. É o meu dever como cidadão e pesquisador da história e da cultura.


Capela de S. João Baptista

domingo, 30 de maio de 2010

Na senda dos negros de Paço dos Negros


Simão Vinagre Rodrigues, que vivenciou em Almeirim muito daquilo que deixou escrito, de pobre moço de estrebaria, excepcionalmente admitido na escola do Paço, a pedido de seu avô, foi estudar em Évora, chegou a bacharel, referindo-se ao negros que habitavam o paço da Ribeira de Muge, diz: «eram escravos guinéus, vindos do reino de Benim. Viviam em casa de pau a pique, com paredes de caniços, tapadas de barro e telhados de espadana e junco».

Fonte: Henrique Leonor Pina, Os papéis de S. Roque”.

Quem sabe, se não foram eles que deixaram este gostinho especial por estas músicas que, devido a um certo isolamento, foram agora recolhidas pela Acadenmia da Ribeira de Muge?



A Evolução de Paço dos Negros

Encontramos documentos que atestam a existência da freguesia de Raposa e pertença de Paço dos Negros a esta, desde 1706.
Até 1956 pertenceu Paço dos Negros à freguesia de Raposa.
Não sabemos se esta já existia anteriormente a esta data. Mais antiga será, pois nas “Notas dos Tabeliães (Biblioteca Nacional, Colecção Pombalina, nº 136, Filme 7633, em “Freguesias do século XVII”, esta aparece já referenciada.

Pertencia a Mata da Ribeira de Muge, desde a sua criação, inícios do século XV, bem como Paço dos Negros e a coutada da Ribeira de Muge, 1514, à Montaria de Santarém.

População:

Tinha a freguesia de Raposa:
Em 1758: 215 habitantes.
Em 1864: 360.
Em 1890: 538.
Em 1900: 630.
Em 1911: 649 habitantes no conjunto da freguesia.
Em 1911, no recenseamento realizado a 1 de Dezembro, Paço dos Negros aparece já em separado: tinha 36 fogos e 162 habitantes. No complexo do Paço 6 fogos e 20 habitantes.
Após o aforamento, assistimos em Paço dos Negros a um crescimento exponencial.
Em 1940, Paço dos Negros: 372 habitantes.
Em 1960, Paço dos Negros, (4 anos após separação de Raposa): 782.
Em 1970, Paço dos Negros: 1046 habitantes.
Em 1981: 1231 habitantes.
Em 1991: 1251 habitantes.

Em 2001: não consta na Net.

* - Fonte Registos Paroquiais e INE

Foi a freguesia de Raposa durante pelo menos 250 anos senhora de um território rural e de montado, um território que formava uma unidade, ao longo da ribeira de Muge, desde o moinho de Vasco Velho, (Estrada do Pontão, fronteira de Muge), até a norte de Marianos. (À Raposa, ou a Paço dos Negros, vinham casar habitantes de Marianos, Almotolias, Vale Flores, toda a ribeira dos Grous).

Em 1956, por uma tonteria de uns tantos Salazaristas, foi Paço dos Negros desanexado a Raposa e anexado a Fazendas de Almeirim. O que é que Paço dos Negros ganhou com isso?

A julgar pelas pessoas de Almeirim e das Fazendas que, quando nos meus escritos comecei a falar da Ribeira de Muge, me perguntavam onde ficava a ribeira de Muge, e refiro-me a pessoas instruídas, porque as outras, as simples, as que não têm voto nas decisões, muitas aqui tinham trabalhado no tempo das mondas nos arrozais, conheciam bem, penso que Paço dos Negros não ganhou nada com a mudança. Se ganhou foi exploração dos seus recursos.


Mapa onde pode ver-se a Estrada do Pontão, Almeirim-Coruche.


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Manuel Francisco Fidalgo Junior

Aos vinte e sete dias de Dezembro de 1903, foi feita a escritura de aforamento do Paço da Ribeira de Muge.
Era pertença de D. Fernando Manuel, da Casa de Azambuja.



Manuel Francisco Fidalgo, dono do Paço




quinta-feira, 27 de maio de 2010

Pombinho Correio

Cinquenta anos volvidos uma mulher da Ribeira de Muge mostra-nos ainda a força das canções, pelas mulheres cantadas por sucessivas gerações dentro dos arrozais da Ribeira de Muge. Uma energia, uma força que parece vir das profundezas da terra.

Vozes telúricas,  por vezes rudes e agrestes das mulheres, cantavam com orgulho, quantas vezes como lenitivo para enganar a fome, quantas vezes os maus-tratos de maridos e pais, outras vezes a saudade de maridos e namorados na guerra.

Nos dias em que a brisa era de feição, as suas vozes penetrantes longe se faziam ouvir, embelezando ainda mais a ribeira .

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Paço dos Negros da Ribeira de Muge, hoje um paraíso maltratado

Frazão de Vascancelos dele disse: O sítio é pitoresco e certamente o era mais, quando existiam as árvores seculares que o povoavam.
Nesta foto, é possível  adivinhar a beleza da Natureza e comparar com o horror da intervenção humana.

domingo, 23 de maio de 2010

O Paço da Ribeira de Muge - O Pomar Real

Tanque quinhentista, dentro da Cerca do Pomar Real. Foi construído aquando da construção do Paço, 1511.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Deana Barroqueiro, filha adoptiva de Paço dos Negros

Aconteceu ontem, dia 20, o lançamento de mais um livro de Deana Barroqueiro: O Romance da Bíblia.
Deana Barroqueiro, uma das maiores escritoras portuguesas da actualidade.





Um olhar feminino sobre o Antigo Testamento: obra original e polémica sobre as mulheres e os homens dos livros sagrados. Muito interessante.

Deana Barroqueiro que no seu livro D. Sebastião e o Vidente, põe o Paço da Ribeira de Muge, no centro da trama que levou D. Sebastião à derrota em Alcácer-Quibir. Um livro histórico, por maioria de razão para Paço dos Negros, uma localidade menosprezada pelos seus responsáveis maiores.

Deana Barroqueiro que quando da apresentação do livro em Paço dos Negros, não se cansa de dizer que foi um dia memorável.

Neste dia foi chamada de filha adoptiva de Paço dos Negros.
Permita-me Deana, e permitam-me os visitantes deste blog a inconfidência, mas ontem fiquei a saber que aceitou o título, pela dedicatória que teve a amabilidade de me presentear no Romance da Bíblia:


Ao ser constituída a Associação Academia Itinerarium XIV - Ribeira de Muge, peço-lhe Deana que se considere, desde logo, Sócia Honorária desta futura Academia.

Perdoe-me Deana.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Academia da ribeira de Muge - Dicionário do Rei Preto

Baseado nas falas do negro Furunando, das peças de Gil Vicente, e no livro de Paul Teyssier, la langue de Gil Vivente:

Dicionário do Rei Preto

Acordar – cordaro
Almoxarife – moxarifo
Amargurado – margurado, murgurado
Andar – andaro
Aramá que te rô – ao diabo que te dou
Assim – assi
Beber – bevê
Caçar – caçá
Carreira – carera
Casamento – casaramento
Cativo – catibo
Chover – chovere
Clérigo – crérigo
Coitada – coitaro
Comer – comê
Conhecer – conhecê
Consagrado – consabrado
Cuido – cuida
Dais – dás
Deitar – deitá
Derradeira – deradera
Deus – Reos, Deso
Diabo – riabo
Dinheiro – rinheiro
Dirá – rirá
Dormia – doromia
É, Está – sá
El-rei D. João – rei Jan Joan
Enjoada – nojara
Era – saba
Escrivão – crivam
Esmoler – moladero
Espantado – sapantaro
Espírito Santo – Prito Santo
Estava – saba
Excomungado – comungaro
Falar – falá
Feia – feo
Fernando – Furunando
Fidalgo – firalgo
Foliar – fruriá
Formosa – fermoso, foromosa
Furtar – furatá
Furtasse – frutasse
Isso – esso
Jesus – Jesu
Ladrão – ladaram
Maçã – mação
Madura – maduro
Mais – más, masa, maso
Maridada (casada) – Maruvada
Marido – marida
Matou – mató
Melhor – mior
Mim (eu) – mi
Minha – mia, meu
Missa – misa
Muito – muto
Mulher – moier, muiero
Namorada – namoraro
Não – nô
Olhar – oiai, (abre) oio
Padre-nosso – pato-nosso
Palheiro – paveiro
Parir – pariro
Pela – polo
Perguntar – purugutá, bruguntá
Pobre – prove
Poder – podê
Pois – pôs
Por – poro
Porque – poro que
Porquê – puru quê
Português – Portuguás
Pura – puro
Romã – Romão
Salmonete – saramonete
Segura – seguro
Senhor – seoro
Senhora – senhoro, seuro
Tanta – tanto
Tanto – tanta
Terra – tera
Todo – toro
Tomar – tomai
Traidor – tredora
Travessa – trabesso
Trazer – trazê
Triste – trisse
Tudo – turo
Uva – uba
Vem – bem
Vestido – besiro
Vida – vira, bida
Vindimar – vindimai
Você – boso
Vontade – votare
Vós – bó, bós
Vosso – bosso
Vou – (mi) vai, bai


Janelinha de quarto onde, segundo a tradição (ainda viva), era a casa dos gatos,
onde o Rei Preto castigava os escravos negros. 

domingo, 16 de maio de 2010

Academia da Ribeira de Muge - Aldeia de Marianos

Um "verso" recolhido em Marianos, que retrata a vida comunitária da aldeia. Pressente-se uma voz colectiva, em que a partida de um grupo de três rapazes para a Guerra de 14-18, foi cantada pelas mulheres.


Recolha efectuada junto de Jesuína Borrega, iletrada, nascida em 1927, Marianos.

Aldeia de Marianos,
Rodeada de tristeza,
Já te falta a mocidade,
Falta-te a maior riqueza.

Três separações que houve,
As três deixastes abalar,
A flor da mocidade,
Já me cá vai a faltar.

Muitas mães choram, choram,
Pelos seus queridos filhinhos,
À despedida lhe deram,
Abraços, muitos beijinhos.

Filhos do meu coração,
Quem lhes pudera valer,
Antes que eu queira não posso,
Este caso resolver.


De salientar que as raparigas da ribeira de Muge, de pobres que eram, para enviarem uma foto para os namorados, maridos, que estavam na guerra, em França, pediam o vestido emprestado ao fotógrafo.

Rapariga de Marianos

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Academia da Ribeira de Muge-O dia da Espiga

Mas não pense o estimado visitante deste blog, que as proibições e interditos em dia de Quinta-feira de Ascensão, o facto de não se trabalhar, era negativo, no contexto social da época. Não. Tinha coisas positivas? Tinha-as e de que maneira.

Eram as mesmas pessoas que se recusavam a trabalhar, as que aproveitavam estes dias para passear no campo.

Oiça só. O Dia da Espiga

Academia da Ribeira de Muge-Quinta-feira de Ascensão


Hoje, Quinta-feira de Ascensão, algumas frases que recordam vivências, ditas por mulheres da Ribeira de Muge:

Em Quinta-feira de Ascensão davam o leite. Ainda não era manhã já os cachopos iam todos aí por esses cabeços fora com a garrafinha na mão, à procura da pinguinha do leite, nas casas dos lavradores.

"Era um dia santo tão grande, que havia uma hora que nem os passarinhos iam ao ninho.

A minha mãe no dia de Quinta feira de Ascensão nem me deixava esgravatar no chão. Dizia que era pecado.

Na Quinta-feira de Ascensão, quem não come carne nem leite, não tem coração.
Depois aconteciam canções cheias de interditos, como a que a Academia da Ribeira de Muge recolheu em Paço dos Negros:

Clique para ouvir: Quinta feira de Ascensao

sábado, 8 de maio de 2010

Contos de Entre-Muge-e-Sorraia

Para quem não leu n'O Almeirinense

Um conto bem ao jeito dos antigos cabreiros de Entre-Muge-e-Sorraia

Foi pior a emenda que o soneto

Ali à beira da estrada que vai de Paço dos Negros para a Lamarosa, entre o Zebro e o Zebrinho, há mais de setenta anos, numa palhota no meio dos sobreiros, morava um pobre diabo de nome José Rizo.
A razão da alcunha que tinha de Zé Mocho não é para aqui chamada. Fêmeas.
Pequenino. Vivaço. Mas um homem não é coisa que se meça aos palmos. E nem sempre o ditado popular é verdadeiro. Era na verdade um honrado cavalheiro, como vamos ver pelo modo como fez questão de se desenvencilhar perante o doutor juiz quando este, vejam só, teve a ousadia de pôr em questão brios, juras e honras pessoais.
– Pronto!!!... José Rizo, por alcunha o Zé Mocho! Na Lamarosa não há outro!
Deve ficar dito desde já que, desvios de bens alheios nem por sombras. Foi por causa de um caso de saias que José Rizo, por jeitos especializado no deslindamento destes e doutros casos, foi chamado ao Tribunal de Coruche para servir de testemunha.
Audiência concorrida, as mulheres sempre queriam ver a cara da desavergonhada.
Quando o doutor juiz chamou por José Rizo, ele ergueu-se num pulo:
– Pronto!!! Senhor doutor juiz! José Rizo, por alcunha o Zé Mocho! Na Lamarosa não há outro!
O juiz admirado com tanto desembaraço, deu um olhar de relance pela sala, a desautorizar o sussurro que nela se levantava. Uma martelada na mesa. Pigarreou...: Silêncio!!!
Zé Mocho olhou para o lado e viu a assistência que por acaso era tudo pessoas da Lamarosa, num burburinho que só não atingiu a algazarra geral porque o juiz lhes pôs o dedo no nariz, começou a ficar encavacado.
Com medo de que, chegando cá fora com tão nobre auto-título, as levasse, cortou-as: – Peço desculpa ao senhor doutor juiz! Sou eu e a cabra do João Neves!
Mas, conta-se, foi pior a emenda que o soneto: o Juiz ficou sem entender, e o burburinho atingiu a algazarra geral. É que a cabra do João Neves era conhecida pelo tamanho da sua armadura.





domingo, 2 de maio de 2010

Santo António de Cadoiços


Trecho de mapa de Mário Saa

São conhecidos os famosos concheiros de Muge, de épocas pré-romanização.
Para Mário Saa, investigador, a Ribeira de Muge é o traçado onde assenta o célebre itinerário romano de Antonino Pio, sobre a qual estabeleceu uma das conclusões essenciais da sua obra, “As Grandes Vias da Lusitânia”: a tese de que o Itinerário XIV de Antonino, assentava na margem direita da ribeira de Muge, em toda a sua extensão.

Mas será este território da ribeira de Muge apenas romano?

São conhecidos os famosos concheiros de Muge, anteriores à romanização.
Mário Saa atribuiu o nome de Per[a]briga às villae de Vila Longa, junto da foz do Muge, e Aritium Pretório ao cimo.
Este traçado, defendido por Saa, é o único que satisfaz simultaneamente as condições postas pelo Itinerário de Antonino e Mapa de Ravena:
Mede a distância de 61 quilómetros, o que corresponde às primeiras 38 millium passum do Itinerário de Antonino, de Porto Sabugueiro, até Aritium Praetorium (Água Branca), bem como os restantes troços dos referidos mapas.

Neste percurso, vemos que a cada troço de cerca de 12 milhas (19 km), uma distância ideal, se situa um ponto de apoio à estrada.
Partindo de Porto Sabugueiro, ao km 19, o Paço dos Negros da Ribeira de Muge, estratégico, onde foram encontradas moedas romanas, e outros achados; ao km 39 chegamos à Estalagem; ao km 61 Água Branca, o dito pretório.

Outros topónimos: A 7,5 km os Caniçais (da Rainha), A 13 km, as Ferrarias, com o seu Cabeço de Ferro e estação ao Ar Livre, classificados como Necrópole. Foram aqui recolhidos materiais de vários períodos, nomeadamente Mesolítico, Idade do Ferro, Romano e Medieval.
Mais a norte, a 17 km, temos a Ponte Velha e a velha passagem da Ribeira, que já foi denominada Ponte do Bispo, ao km 18; confundindo-se com o local de acesso à ponte romana na via Santarém Évora. Ao km 46 temos Folgas e ao km 51 a Estação, ao 53 Cadouços.
A coroar este percurso da ribeira de Muge, ao cimo da ribeira, o referido por Saa, Cevo de Muge.

Como se vê, vetustos caminhos e topónimos que nos sugerem algo como velhos trilhos de passagem de caminhantes, apoio e descanso de viajantes, repasto (cevo) de gados.

Cadouços, ao cimo da Ribeira de Muge. Santo António de Cadoiços, em Mário Saa.
Procurámos o significado de tão estranho nome.

Moisés Espírito Santo, na sua obra, “Fontes Remotas da Cultura Portuguesa”, num estudo da origem dos topónimos de localidades portuguesas, dá-nos o significado de Cadoiços, kadosh – Santuário –, na língua Ugaritico-Cananita, falada na península ao tempo dos Fenícios.