A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Ritual de Trabalho - Lorenço

Nos dias de calor, no canto das mulheres, ressoavam, entre súplicas à Senhora do Castelo, uma súplica, que vem de tempos imemoriais. De tempos anteriores à romanização, ao tempo da língua Ugarítico-Cananita, falada na península no tempo dos Fenícios. E o que nos diz o Professor Moisés Espírito Santo, (meu professor), no seu livro "Fontes Remotas da Cultura Portuguesa".Lourenço, Lhrsm, laarassim, que significa "esconjuro". Reparem como aquela mulher da ribeira de Muge, faz um esforço para se recordar do nome pelo qual os seus ancestrais clamavam por uma réstia de vento, para de alguma maneira esconjurar o sol, nas horas em que o sol abrasava os corpos, no trabalho de sol a sol.

Clique: Vai te sol

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Academia da Ribeira de Muge - "As Brincadeiras"

As Brincadeiras, foi um ritual que aconteceu em Paço dos Negros, entre os anos 20 e 70 do século XX, nos dias de Quinta e Sexta-feira Santas.

"Eira do Pombas"


A Festa e o Sagrado de Transgressão

Dependentes de uma agricultura cujos métodos de exploração eram rudimentares, a mourejar do sol-fora ao sol-posto, as pessoas na aldeia viviam muito ligadas à Natureza. Existia uma sacralidade cósmica na relação das pessoas com a Natureza.
As Brincadeiras, ajuntamento anual, desfile de cultura popular, aparentando ser um mero encontro profano, mais não é que a criação, o reconhecimento de um tempo e um espaço diferenciados. O espaço temporal em que decorrem os festejos torna-se, para o povo, um espaço inscrito no tempo, tempo que é um tempo cíclico, inviolável, que aguardam ano após ano. O espaço físico sendo um espaço secular é para estas multidões rumorosas e festivas ocupado como um espaço simbólico sagrado. Povo habituado ao sofrimento, quando não à fome, sendo dois meios-dias de jejum, que cumprem a rigor, não há lugar sequer para a comida e a bebida, muito menos os seus excessos. É assim criado um tempo e um espaço fortes em que as cantigas e os jogos campestres são claramente os elementos aglutinadores do grupo social que é a aldeia.
Ano após ano, durante a Quaresma, tempo de jejuns e interditos, toda a aldeia se mobilizava para as “Brincadeiras”. Após quarenta dias em que não era socialmente permitido o cantar profano, com o culminar da Quaresma, durante a qual, de lúdico apenas tinha havido as trocas de compadres, a Semana Santa tudo indicava que fosse um tempo ainda de maior recolhimento; não é, há como que uma antecipação da expansão final. Nestes descantes, jogos e brincadeiras em dia de Quinta-feira Santa é, contudo, notória uma inter-relação entre o lúdico, o profano e o sagrado. Há como que um ritual profano mas que se confunde com o religioso em que, o mito, para toda a população, está presente nos gestos ciclicamente repetidos.
Nestes rituais profanos, que aconteciam em dias de grande densidade religiosa, havia como que uma estruturação de um tempo primordial que era actualizado anualmente nestes folguedos. A participação no evento era de tal modo vivida que o sentimento existente era quase trans-humano. À falta de meios materiais, o excesso próprio da festa era posto no único bem de que podiam usufruir: as cantigas, os jogos e toda a alegria que era intrínseca à sua condições de almas simples
 – Na Quinta e na Sexta-feira santas, íamos do trabalho para as Brincadeiras e das Brincadeiras para o trabalho, sem comer e nem fome tínhamos, diz-nos uma informante.

Submissão e resistência – A construção da identidade de grupo
Nestas festividades a população permitia-se festejar sem o controlo directo tanto da Igreja como dos patrões, evidenciando ser este o resultado de uma inconsciente confrontação entre o sagrado de regulação e o sagrado de transgressão, e acontecendo por esta via a regeneração da ordem através de um caos dominado, o que permitia ainda conferir uma forte identidade de grupo à população da aldeia. Mais que uma religiosidade institucionalizada, parece existir uma vivência de um tempo sagrado onde as pessoas são arrancadas à sua intimidade para se entregarem a um turbilhão de actividades lúdicas nestes dias, deixando-se arrastar por um arrebatamento colectivo.
Patenteiam ainda, estes tão espontâneos e ansiados folguedos, numa época em que os direitos dos trabalhadores eram escassos, uma oportunidade rara de interromper a labuta diária, e os deveres dos trabalhadores não obedeciam a normas contratuais rigidamente escritas, mas à palavra dada, uma forma de resistência popular simbólica, a coberto do religioso, perante a dominação social a que as populações estavam submetidas, e simultaneamente a criação de alternativas, a esta submissão. Estavam criadas as condições para uma forte identidade comunitária, entre iguais, em que a integração e a pertença grupal não permitia sentir o peso e os constrangimentos sociais.

A sacralização de um espaço simbólico
Dentro do universo cultural que é a aldeia, as cantigas, as danças de roda, os jogos, e mesmo as cantigas que frequentemente adoptavam a configuração de um jogo, que, de repetitivos, ano após ano, obedeciam ao cânone reservado, quase exclusivo para estes dias. Ainda hoje, na aldeia, determinadas cantigas e jogos como a Condessa, a Biloa, os Bem-casados, a Troncha-la-moncha, o Babão e muitos outros, foram apropriados e são referenciados como cantigas e jogos das Brincadeiras.
A festa era uma dimensão social importante para o povo. Vemos na reconstituição dos ambientes festivos pelas nossas informantes, quão importante é ainda hoje para a população de Paço dos Negros, homens e mulheres que conviveram com estes ambientes rurais, a referência saudosa aos festejos e ao próprio local onde durante décadas os mesmos se desenrolaram. Valorização esta destes espaços simbólicos, que se insere dentro de um conceito onde os espaços físicos são valorizados, em que rapazes e raparigas aproveitavam estes rituais festivos, que aguardavam o ano inteiro, para brincar e para se divertirem.

As Brincadeiras como um ritual de iniciação
Neste tempo e neste espaço primaveril, em que toda a natureza se renova, as pessoas agem como que participantes de corpo inteiro de uma nova criação. Quantas vezes através da mudança de estado, passando à condição de adultas, os rapazes, mais as raparigas, entravam na roda, outras vezes mostrando-se à sociedade, a toda a aldeia, como par de namorados, aldeia que está presente nestes festejos campestres e que aguarda um ano inteiro por estes rituais.

Ainda hoje dentro da localidade existe o Arneiro do Pombas que, embora circunscrito a uma área reduzida, com os seus sobreiros, a sua grande eira ensaloada.


segunda-feira, 19 de abril de 2010

Academia da ribeira de Muge - "Verso" do David Cravinas

No ano de 1956, no sítio do Salgueiral, um drama muito sentido que deu que falar em toda a charneca do concelho de Almeirim:


O jovem David Cravinas, no dia da inspecção militar, por uma futilidade, na taberna do Salgueiral, assassina João do Guarda.
Mais uma vez, as mulheres através do canto espalharam o sucesso.

Nas conversas que mantivemos aquando da recolha deste “verso”, foi-nos dito, entretanto, que para além das futilidades a que se refere o mesmo, teria havido motivações de honras e brios pessoais, que decerto não havia interesse em referenciar.
De salientar que este facto, conteúdo, e a estrutura do “verso” que, em meados de 50, já não termina com as usuais “Torradas novas torradas”, bem como no remate final é isento de significado moral condenatório.

Autoria atribuída ao poeta popular e acordeonista, Joaquim Cego.

Clique para ouvir: David Cravinas

sábado, 17 de abril de 2010

Contos de Entre-Muge-e-Sorraia - A trovoada

Paisagem da Ribeira da Calha do Grou ao Monte da Vinha-Salgueiral


Para quem não teve oportunidade de ler n'O Almeirinense, um conto das gentes simples desta região.

Era uma vez uma mulher que era caseira no Casal das Mulas, na ribeira da Calha do Grou. Naquele tempo era só carreiros, e ela nem carro nem bois, ia aviar-se a pé, ora à Lamarosa ora aos Paços.
Como a única volta que dava era ir à loja, arejava então a arca e arreava-se com as melhores roupas e com todo o oiro que tinha.
Um sábado de tarde, lá vai a senhora Maria, carreirinho fora, com o talego à cabeça, aviar-se aos Paços.
Na volta, quase noite, viu armar-se uma trovoada e ela tinha muito medo dos trovões. Mas como tinha pantado o cordão de oiro, e tinha ouviste dezer que a quem se agarrasse ao oiro as faíscas não faziam mal, que o oiro tinha assim um poder magnetio, a correr pelo meio dos sobreiros, quando vinha um relâmpo, agarrava-se ao cordão, vinha um trovão e agarrava-se aos brincos.
Depois escureceu rapidamente, começou a chover que Deus a dava, os relâmpagos eram coriscos, ainda longe de casa, sozinha, sem telheiro onde se acoitar, nem vivalma que lhe acudisse, diz que as faíscas acudiam aos sobreiros, olhou para um lado e para o outro, a ver onde se podia abrigar. Viu uma barreira alta, e esta tinha uma pequena cavidade por baixo das raízes de um sobreiro. A ver se não ficava sem fio enxuto, o chão a estremecer, uniu-se à barreira, cheia de medo. A tremer como varas verdes, meteu a cabeça dentro do buraco. Cada vez se agarrava mais às orelhas e ao cordão a ver se dava sorte de a trovoada passar.
Naquela altura os magalas vinham da estação de Santarém e galgavam esses caminhos todos a pé.
Por sorte ou por azar, um magala que vinha da tropa, mas como a chuva também molha magalas, os trovões eram cada vez mais fortes, viu estar aquela mulher com a cabeça metida no buraco, acoitou-se.
Quando sentiu que o chão tinha parado de estremecer, a mulher até lhe parecia que tinha estado a sonhar. Tirou a cabeça do buraco, olhou para o céu onde um sol envergonhado começava a espreitar. Ainda incrédula e atordoada, mas agradecida, disse:

Não sei se isto foi por Deus
Se foi por louvor de algum santo
Mas nunca houve uma trovoada
De que eu gostasse tanto.



sexta-feira, 16 de abril de 2010

Para a História de Paço dos Negros

São vários os documentos que durante o século XVIII, com o desmembramento da coutada da Ribeira de Muge, mencionam como Casal do Desembargador a propriedade actual e popularmente chamada Casal do Trinta, a mesma que no século XIX era denominada Casal de Pina Manique, na posse de Paulo Nogueira de Pina Manique.

Anexo excerto de mapa de finais do século XVIII


Assento de defuntos, Raposa, 3-11-1735

Maria Gonçalves, moradora no Casal do Desembargador. (António Teixeira Alves, noutros documentos).