A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Mulheres da ribeira de Muge - Juliana

JULIANA (OU D. JORGE, O VENENO DE MORIANA, D. AUSENIA, ETC.)

Está o tema deste “verso” da “Juliana”, recolhido em Paço dos Negros, intimamente relacionado com a lenda escandinava de Sigurd. Lenda que foi disseminada pela Europa por volta do século V. Nele está presente um mote universal, o tema do ciúme e do crime perpetrado através de uma bebida envenenada.

Ramón Menéndez Pidal, dá-nos notícia que Gil Vicente na “Comédia Rubena”, em 1521, pela boca de uma criada, faz referência a este romance.

Como nenhum outro semanticamente desfigurado, neste lindo “verso” vemos como as velhas lendas e imagens são refeitas, renovadas e actualizadas; é esquecido o título nobiliárquico de D. Jorge, os personagens transportados ainda e sempre para ambientes que, neste caso, são familiares às mulheres da Ribeira de Muge.
Pela linguagem utilizada: – Passadas que o Jorge dava eram só para te iludir…, deixa transparecer este versículo, a familiaridade para as mulheres com aquilo que era quase uma fatalidade do destino, para as filhas de um qualquer pobre servo: o filho de um lavrador "enganar" uma rapariga.
De salientar que não faltam as bem populares “Torradas”, propícias a uma certa vingança, um remate moral, como conclusão.

Eu bem te dizia ó filha, mas tu não querias ouvir,
Passadas que o Jorge dava eram só para te iludir.
– Deixe lá ó minha mãe, ó meu pai que me criou,
O Jorze também se engana, assim como ele me enganou.
Recolhido à posteriri

– Aí vem ele minha mãe, no seu cavalo amontado…
– Pois adeus ó Juliana, como estás como tens passado?...
– Eu já cá ouvi dizer, que tu andavas para casar…
– É verdade ó Juliana, venho-te agora convidar.
– Espera aí que eu também vou, que eu quero ir ao teu lado,
Vou buscar um copo de vinho que eu p’ra ti tenho guardado.
– O que pantaste no copo, o que pantaste no vinho?
Que eu já tenho a vista turva, eu já não vejo o caminho!?...
– Se a minha mãe lá soubesse, que eu que cá tinha morrido!...
– Também a minha julgava, que tu casavas comigo!

Torradas, novas torradas
A faca que corta a cana
O Jorze queria ser esperto
Esperta foi a Juliana.

Clique aqui para ouvir: Juliana

domingo, 14 de março de 2010

Homenagem a todas as mães simples mas felizes

A GENTE NÃO LÊ

Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós
Rezar o terço ao fim da tarde
Só para espantar a solidão
Rogar a Deus que nos guarde
Confiar-Lhe o destino na mão

Que adianta saber as marés
Os frutos e as sementeiras
Tratar por tu os ofícios
Entender o suão e os animais
Falar o dialecto da terra
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais

E do resto entender mal
Soletrar assinar de cruz
Não ver os vultos furtivos
Que nos tramam por detrás da luz

Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós
A gente morre logo ao nascer
Com olhos rasos de lezíria
De boca em boca passar o saber
Com os provérbios que ficam na gíria

De que nos vale esta pureza
Sem ler fica-se pederneira
Agita-se a solidão cá no fundo
Fica-se sentado à soleira
A ouvir os ruídos do mundo
E a entendê-los à nossa maneira

Carregar a superstição
De ser pequeno ser ninguém
E não quebrar a tradição
Que dos nossos avós já vem.

Carlos Tê e Rui Veloso em (A Portuguesa, Isabel Silvestre)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Filhos e enteados





Auto-realização dos privilegiados


Necessidades básicas por satisfazer




Um mesmo concelho, direitos desiguais

terça-feira, 9 de março de 2010

Mulheres da ribeira de Muge "Versos"

António veio de viagem

Encontramos nesta região da ribeira de Muge, uma grande variedade de “Versos” alguns de grande beleza, E que, pelas vozes telúricas, penetrantes, por vezes rudes e agrestes das mulheres, foram cantados com orgulho, por sucessivas gerações dentro dos arrozais desta Ribeira de Muge. Quantas vezes como lenitivo para aguentar a fome, a dureza do trabalho, a saudade de maridos e namorados, normalmente nas partidas da guerra.
“Versos” cujas letras relatando os mais díspares acontecimentos, com funções ora de divulgação da notícia, ora de entretenimento, por vezes a persistência dos mesmos temas ao longo do tempo, denota uma actualização temporal de antigos temas.Apesar de usarem uma linguagem simples, própria do povo por quem eram criados e de um povo iletrado a quem quase sempre se destinavam, neste, e em outros, é patente uma menor antiguidade, uma qualidade conceptual e literária bastante inconstante. Alguns deles são meras quadras, de rima muito variável, “versos” que até meados do século XX, eram propagados através da tradição oral, cantados por “ceguinhos”, divulgados por meio de folhetos, que vendiam nas tabernas ou nas feiras, ou disputados, oralmente, junto dos ranchos que vinham de outras regiões do país, fazendo hoje parte do Romanceiro tradicional desta região.

Antonio veio de viagem  clique aqui para ouvir