A Ribeira de Muge fica situada na orla de um dos maiores desertos humanos de Portugal, a floresta de Entre-Muge-e-Sorraia. Esta região pode exibir ainda hoje uma cultura com traços característicos muito próprios, mormente a rude cultura dos pastores, cabreiros e dos negros que aqui habitaram. São estas especificidades que a Academia persegue, "subindo ao povo", como nos diz o grande Pedro Homem de Melo, recolhe, estuda e divulga.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Representações da Ribeira de Muge

Vale de Negros, era o nome pelo qual era representada a região onde se situava o Paço dos Negros, nos séculos XVIII/XIX.


RIZZI-ZANNONI, Giovanni Antonio, ca. 1736-1814

Les royaumes de Portugal et d'Algarve

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Representações de Paço dos Negros através dos tempos

Representação do Paço dos Negros. Na segunda metade do século XVI era conhecido como Paços da Serra.


SECO, Fernando Álvares, fl. 1561-1585

Portugalliae que olim Lusitania
 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O ritual da Adiafa na Ponte Velha

O ritual da adiafa constituía o comemorar de um fim de ciclo. Por vezes o fim de um longo período que poderia ser até bem penoso, mas que tinha o condão de transformar um espaço e um tempo profano de algum modo num tempo e num espaço sagrado, de festa, funcionando como terapia individual e colectiva, na cura dos males do corpo e do espírito.


Cantando e bailando, havia uma troca, ofereciam e recebiam: os efeitos de agradar, a protecção, a segurança: «O patrão dava (...) mas a gente tinha que lhe dar....». Os artigos que eram objecto de troca: Bolos e bananas; coisas boas e raras naquele tempo, as primícias. O doce do arroz doce. O pão e o vinho, com todo o seu simbolismo. O carneiro, sempre o carneiro, (numa região onde predomina o porco), o símbolo da oferenda a Deus: Abraão, a imolação de Isac. Não podemos esquecer que estes momentos eram sempre acompanhados de música e danças. Os cantares eram omnipresentes.

O nosso rancho/Vem a chegar/Saiotes feitos/Sempre a cantar.

Sempre a cantar/Desta maneira/Vimos trazer /A nossa bandeira.


Adeus ó patrão Manel/Mais a patroa Maria/Adeus até p´ro ano/Ou será para toda a vida.

J. Vitória uma das mulheres que viveu esta e outras adiafas: «No fim dos trabalhos havia sempre uma adiafa. O patrão dava a adiafa mas a gente tinha que lhe dar uma bandeira. Uma bandeira muita grande, carregada com bolos e bananas. O patrão dava a comida e o vinho. Era sempre batatas com carneiro. Na ceifa era arroz doce. Na monda era o carneiro.Fazia-se aquilo para agradar ao patrão. A gente dantes fazíamos tudo para agradar ao patrão».

Estas práticas, mesmo que perdendo o cunho sacrificial religioso, mas por uma certa solenidade posta nas atitudes e realizações, pelo simbolismo, a sociedade mantém a capacidade de transformação dos espaços e vivências.

Os capatazes oferecem a bandeira,1954


Ranchos da Ribeira de Muge

Rancho da Ponte Velha, monda do arroz,  em dia de adiafa - anos 50




sábado, 26 de dezembro de 2009

Arqueologias e barbaridades

De quando era jovem, eis o que nos diz um antigo jornaleiro, cavador, de Paço dos Negros, nascido em 1932, José Moreira Fernandes, de quando, cerca de 1950, andou a arrotear terra de arroz, no Arco, junto a Paço dos Negros:


«No chão, dentro da terra de arroz, estavam os prumos da ponte. A ponte saía para o lado da ribeira da Calha do lado esquerdo da ribeira (de Muge). A estrada que saía era a direito a subir o cabeço. Não ia pela borda da ribeira como vai hoje.
Depois é que fizeram a estrada mais dentro, pela borda da ribeira da Calha acima e depois para a Lamarosa, era pelo Arneiro Alto.
Tinha dois prumos, que era onde estava o tal arco. Mas o arco completo já não o conheci.
Estavam dois prumos em tijolo. Eu andei lá a cavar, a arrotear a terra. Andávamos a cavar para fazer terra de arroz. E era para escangalhar os tais dois prumos.
O capataz, que era o Navalhas, dizia para o Manel Rato: – Manda a enxada!
O Manuel Rato mandou a enxada, escangalhou a enxada. Partiu a enxada.
Era dois prumos que havia. Devia ser coisa antiga.»

Ao ouvir este relato, de pessoas que não sabem ler, nem escrever, veio-nos à memória a indignação de Mário Saa, porque um cavador, em Água Branca, ali ao cimo da Ribeira de Muge, porque sabia ler, «ao encontrar inumerável quantidade de moedas» … e «… bem assim uma prancha de argila, com inscrição, prontamente estilhaçada e dispersa pelo próprio jornaleiro que a encontrou… o qual, homem novo, sabia ler e escrever. (É incurável o mal da “barbaria”; não há letras que a extirpem!)».

Atreves-te, Mário Saa, a dizer que não tinha o direito de escavacar a inscrição de imediato a olho de enxada, só porque sabia ler!? Se tu visses o que por aqui se passa, não só não fazem, como impedem, até perseguem  quem o faz, até armam brigas a ver aquele que consegue destruir mais, e afirmam que sabem ler, que têm muitos poderes, até têm canudo e tudo; mais, até se afirmam defensores da cultura. Se visses, fartavas-te de rebolar no túmulo.


Pegão de Ponte "Romana" da ribeira de Muge.




Vista da saída da antiga ponte, sentido da ribeira




Vista do que foi a estrada, saída da Ponte,  no sentido da cumeada.